Agredidas buscam a reconciliação
Desde que a Lei Maria da Penha entrou em vigor, em 2006, as mulheres conquistaram mais garantias para denunciar maridos violentos. Entretanto, boa parte decide renunciar à ação judicial porque deseja buscar a reconciliação com o agressor. É essa realidade que a aluna de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Gabriela Rosseto Demeneck constatou durante o estágio curricular que fez no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, em Curitiba.
Histórico
Ciúme doentio motivou o crime, diz delegado
Um ex-funcionário da casa noturna de que Veríssimo Canalli Fiúza era sócio disse informalmente à polícia que o empresário já havia comentado que mataria quem se aproximasse da namorada, Elizabeth Cristina Pereira. Fiúza matou a jovem e cometeu suicídio na noite da última segunda-feira, na própria casa, depois de torturá-la durante mais de uma hora com agressões físicas. Os dois foram sepultados ontem. Segundo o delegado Rubens Recalcatti, titular da Delegacia de Homicídios (DH), o ciúme doentio de Fiúza motivou o crime.
Um ato de extrema violência como o cometido pelo empresário Veríssimo Canalli Fiúza, de 31 anos, que espancou e matou a namorada Elizabeth Cristina Pereira, de 25, na última segunda-feira, em Curitiba, costumam ser precedidos de "sinais de aviso" frequentemente ignorados pela vítima. Saber reconhecê-los e reprimi-los, inclusive por meio de denúncia à polícia, pode evitar desfechos trágicos como esse. Essa é a orientação dada por especialistas ligados ao combate à violência de gênero. Neste ano, de janeiro a outubro, a Central de Atendimento à Mulher (telefone 180) registrou 58.543 casos de agressão em todo o país.A psicóloga Evalnete Rodrigues, que trabalha no Centro de Referência e Atendimento à Mulher, em Curitiba, explica que a imensa maioria dos casos que terminam em morte ou agressões graves se inicia com ameaças e atitudes que visam a anular a autonomia da mulher, como crises exageradas de ciúmes, xingamentos e o desejo de controlar o que ela veste, com quem fala e aonde vai.
"É muito raro que um gesto tão agressivo venha sozinho. Uma pessoa não mata sem antes dar algum sinal de que isso poderia acontecer", diz Evalnete, que alerta a respeito das fases pelas quais passa um casal em situação de violência: a agressão, seguida de reação da mulher, pedido de desculpas do parceiro ou cônjuge e uma fase chamada de "lua de mel", quando ele promete mudar e age de forma carinhosa, após a qual a agressão recomeça. Em muitos casos, a agressão tende a aumentar com o tempo, levando à morte.
Causas
As causas para comportamentos como o do empresário são as mais variadas, e podem mudar de agressor para agressor. Muitos, inclusive, podem apresentar mais de uma causa para tal comportamento, de acordo com a psicóloga Lúcia Willians, do Laboratório de Análise e Prevenção da Violência (Laprev) da Universidade Federal de São Carlos. Em pesquisas feitas com homens atendidos pelo laboratório, a psicóloga constatou que cerca de 60% foram testemunhas ou vítimas de agressões durante a infância, e que tal comportamento foi reproduzido nas relações pessoais da fase adulta.
O consumo de drogas e álcool também pode desencadear atos violentos, além de personalidades ansiosas ou controladoras, característica apresentada pela maioria dos agressores. "Eles fiscalizam a mulher toda hora e tendem a resolver os problemas conjugais de forma violenta. Mas não se pode dizer que apresentam uma doença mental, pois têm emprego, falam de forma lógica e costumam ser agressivos apenas com a mulher, não com as demais pessoas", exemplifica.
Os fatores culturais e históricos também têm um peso importante, de acordo com a historiadora e professora aposentada da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Iolanda Toshie Ide. Para ela, que milita no movimento feminista, muitos homens não aceitam um "não", nem que a mulher tenha autonomia. "O número de mulheres mortas pelos parceiros é altíssimo, enquanto que o inverso [homens assassinados pelas parceiras] é ínfimo. Isso mostra que as relações de gênero ainda são assimétricas e hierarquizadas".
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