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Dramas familiares

Vítimas do descaso

Ivanise Esperidião da Silva, fundadora da Associação Mães da Sé, ao lado da foto de Fabiana: “O que mais revolta é saber que o país tem um cadastro atualizado e eficiente de veículos roubados, mas não há nada em relação às pessoas que desaparecem | Rubens Cavallari/Folhapress
Ivanise Esperidião da Silva, fundadora da Associação Mães da Sé, ao lado da foto de Fabiana: “O que mais revolta é saber que o país tem um cadastro atualizado e eficiente de veículos roubados, mas não há nada em relação às pessoas que desaparecem (Foto: Rubens Cavallari/Folhapress)

O Estado não compartilha a dor das famílias de desaparecidos no Brasil. Ao menos essa é a impressão que as autoridades passam ao não tratar com seriedade um tema que afeta milhares de lares brasileiros todos os anos. Cerca de 200 mil crianças, adolescentes e adultos somem anualmente – na maioria dos casos sem deixar vestígios –, segundo o relatório final da CPI dos Desaparecidos, aberta no Congresso em 2009.

Uma ferramenta criada para dar agilidade às investigações sobre desaparecimentos é o retrato do descaso do Estado. O Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos, lançado pelo Ministério da Justiça na internet em 2002, jamais recebeu atualização. A listagem tem apenas 1.203 casos registrados desde que a contagem passou a ser feita, em 2000. Destes, 559 foram solucionados e 644 ainda estão em aberto. A estimativa da CPI é que 40% do total de desaparecidos por ano, ou seja, 80 mil são menores de idade.

Outra lista – o Cadastro Na­­cional de Pessoas Desaparecidas, que deveria reunir casos de indíviduos com mais de 18 anos – foi lançada no dia 26 de fevereiro de 2010, mas, quase dois anos depois, nem sequer entrou no ar. Isso em um país onde as estatísticas revelam que espantosos 20% dos desaparecidos jamais retornam para casa – vivos ou mortos –, para a angústia da família, que convive com uma dúvida eterna.

"Os cadastros são um primeiro passo, pois permitem que se trace um perfil dos desaparecidos, como idade, sexo e classe social. A partir disso é possível não apenas aprimorar a busca, mas também trabalhar na prevenção. No entanto, não basta criar o cadastro, é preciso mantê-lo atualizado, levar essa política a sério, saber que atrás desses números há vidas", afirma a vice-presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil, Mayta Lobo dos Santos.

Sem um sistema confiável, muitas vezes, quando uma criança não identificada aparece em um abrigo ou na rua, a delegacia e o Conselho Tutelar local nem sequer imaginam que ela pode estar sendo procurada em outro município ou estado. Também não é possível ter imagens atualizadas de envelhecimento facial digital ou um banco de DNA, promessas antigas de vários governos.

Revolta

"O que mais revolta é saber que o país tem um cadastro nacional atualizado e eficiente de veículos roubados, mas não há nada em relação às pessoas que desaparecem, ao ser humano", diz a ativista Ivanise Esperidião da Silva, fundadora da Associação Mães da Sé, que acolhe e auxilia parentes de desaparecidos em São Paulo desde 1996. Ivanise, que não tem notícias da filha Fabiana há 16 anos, conta que articulou a criação do cadastro de adultos junto ao governo e chegou a ver um esboço dele, mas até hoje espera o lançamento.

O Ministério da Justiça alega que o cadastro de crianças não é atualizado porque as delegacias responsáveis pelos casos nos estados não repassam as informações e que o de pessoas adultas está em fase de aprimoramento antes de ser aberto para consulta pública. Argumentos que não convencem Ivanise, que em 15 anos à frente da entidade registrou em São Paulo mais casos de desaparecimento do que o governo em todo o país – 7 mil contra os 1,2 mil oficiais. "Não é falta de dinheiro ou de gestão, é falta de vontade, de se colocar no lugar do outro. Eles não sentem a dor que nós sentimos", sentencia.

Carência

Faltam delegacias especializadas e mais psicólogos

No que diz respeito à investigação de crianças desaparecidas, o Paraná é citado como exemplo por entidades e profissionais ligados à área. Desde 1995, o estado conta com o Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas (Sicride), única delegacia especializada em todo o país.

No entanto, a situação não é tão confortável quanto aparenta. No estado, casos de crianças desaparecidas no interior não são tratados com a mesma agilidade e eficiência como os da capital, onde fica o Sicride. Mesmo que a delegacia tenha sido criada para atender a todo o estado, na prática, há uma série de dificuldades por causa da falta de recursos humanos e pela distância geográfica.

"A estrutura não pode ficar centralizada na capital", opina o promotor de justiça Murillo José Digiácomo, que defende a criação de mais unidades como o Sicride e de setores especializados dentro das delegacias.

O caso do assassinato de Joseane Moraes, de 9 anos, em Cambé (Norte do Paraná), no ano passado, é um exemplo do despreparo da polícia para lidar com esse tipo de situação. Os pais da menina levaram três dias para registrar o boletim de ocorrência e, de acordo com a família, as buscas não começaram imediatamente, embora a Lei 11.259/2005 determine investigação imediata. O caso acabou solucionado, mas a menina foi morta. Outras unidades especializadas, segundo o promotor, poderiam inclusive ajudar no trabalho de prevenção, por meio de palestras, divulgação de cartazes e atendimento prioritário.

Psicólogos

Digiácomo também cita a falta de psicólogos para atender pais de desaparecidos como outro problema estrutural. Esses profissionais são necessários por vários motivos: aliviar o sofrimento enquanto duram as buscas; confortar quando a família descobre que a criança está morta; atender a própria criança em casos de abuso; e promover a retomada dos laços afetivos quando ela fugiu de casa devidos a maus-tratos, inclusive para evitar a reincidência.

O Sicride conta com apenas um psicólogo, que atende às famílias durante as buscas, mas não há acompanhamento após a solução dos casos. Porém, o profissional não tem condições de se deslocar para o interior do estado e nem sempre é ele a pessoa que ouve a criança no depoimento – no caso do crime de Cambé, coube aos investigadores a tarefa de ouvir as crianças da vizinhança, o que não é aconselhável, segundoespecialistas.

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