Indígenas guajajara ao lado de trator cedido pela Funai na gestão passada para ser utilizado nos campos agrícolas comunitários| Foto: Divulgação Uaima
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A etnia da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara (PSOL-SP), é a sexta mais numerosa do país, com cerca de 24 mil índios segundo o último levantamento do IBGE. No Maranhão, onde Sonia nasceu, a etnia representa mais da metade da população indígena do estado.

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A maioria dos indígenas que reside nas aldeias guajajara vive em situação de pobreza ou extrema pobreza e sobrevive da agricultura de subsistência e da venda de artesanatos. Há cinco anos, um grupo de lideranças da etnia decidiu criar a União dos Agricultores Indígenas do Maranhão (Uaima) com o objetivo de viabilizar a produção agrícola em escala para gerar renda às aldeias – grande parte dos guajajara vive da agricultura familiar, mas não consegue produzir a mais para comercializar.

A chegada de uma representante da etnia ao alto escalão do governo federal seria motivo de comemoração para as aldeias maranhenses tendo em vista a chance de obter apoio do Executivo para o desenvolvimento econômico da região. Apesar disso, as possibilidades de apoio são remotas já que a ministra de Lula (PL) é uma crítica de longa data do agronegócio, justamente a atividade vista como única solução para gerar renda nas aldeias guajajara e em territórios de outras tribos no país.

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Sonia, que é uma das principais lideranças da ONG Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), com frequência marca presença no exterior pedindo boicote a produtos agrícolas produzidos em terras indígenas. “Ela e a Apib sempre bateram de frente com isso, dizem que o índio tem que viver de tanga, caçando com flecha e comendo coisas naturais do mato”, diz o líder indígena José Marcos Guajajara, agricultor e presidente da Uaima.

“Essa geração nova tem a mentalidade de viver como um cidadão normal. Quer trabalhar honestamente e ter uma condição de vida melhor. Não viver do passado, mas viver com qualidade, e isso depende de podermos produzir em nossas terras”.

Foi devido a falas da ministra no exterior que, em 2021, o Grupo de Agricultores e Produtores Indígenas, formado por 70 etnias de todas as regiões do país, chegou a enviar uma carta a instituições como o Parlamento Europeu, o Conselho da União Europeia e o Banco Central Europeu para alertar sobre os riscos do posicionamento de Sonia para o desenvolvimento econômico dos povos indígenas.

Índios guajajara também questionam o fato de a ministra usar o nome da etnia para falar de suas convicções políticas no Brasil e no exterior, mas ser ausente na própria terra. “Ela foi embora da aldeia muito cedo e morou a maior parte do tempo em outros estados. Ela demora muito para vir para cá. Diz que representa os guajajara, mas quem sabe a realidade de dentro de uma aldeia é quem mora aqui, quem convive todos os dias com seu povo”, afirma Cristiane Amorim Ribeiro Guajajara, presidente da Federação dos Agricultores Indígenas do Estado do Maranhão. “Uma pessoa que mora numa cidade grande como São Paulo jamais vai saber as dores que são enfrentadas todos os dias nas aldeias”.

Sonia morou por anos na capital paulista, mas após ser nomeada ministra passou a residir em Brasília. Nas eleições do ano passado, quando foi eleita deputada federal, ela recorreu a uma manobra para transferir seu domicílio eleitoral do Maranhão para São Paulo – onde seu partido, o PSOL, é bastante forte – a fim de angariar mais votos.

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Em cenário econômico grave e com pouco apoio, guajajaras iniciam produção em maior escala

Tanto a Federação dos Agricultores Indígenas do Estado do Maranhão quanto a Uaima foram criadas para tentar reverter o cenário de miserabilidade nas aldeias maranhenses que vem piorando a cada ano. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em 2021, quando o estado ainda era governado pelo ministro da Justiça Flavio Dino, o Maranhão caiu para a última posição no ranking de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país. O estado também figura na última posição no rendimento mensal domiciliar per capita, com R$ 635 por pessoa, segundo os dados mais recentes do IBGE.

Se o estado de maneira geral já vive numa condição socioeconômica bastante difícil, a situação das aldeias indígenas é, em grande parte, dramática e há carência de tudo, em especial de alimentos. Conforme lideranças indígenas relataram à reportagem, a dificuldade em gerar renda costuma levar muitos membros da etnia a situações de mendicância, prostituição, tráfico de drogas e venda ilegal de madeira. Além disso, um grande número de guajajaras tem deixado suas terras para buscar melhores condições nas áreas urbanas. Mas ainda assim encontram dificuldades: no município de Grajaú, uma grande quantidade de índios, incluindo mulheres e crianças, moraram por anos perto de um lixão sobrevivendo do que lá encontravam. A situação só começou a ser resolvida de fato pelo poder público a partir de 2017.

“Devido a situações de extrema pobreza como foi o caso do lixão, que ficou bastante conhecido na época, tomamos essa iniciativa. No ano passado fizemos roças comunitárias grandes e as pessoas da comunidade estão acreditando nessa mudança. A gestão anterior da Funai nos ajudou nessa tentativa de emancipação econômica, mas agora não temos mais apoio nenhum”, diz José Marcos.

A Uaima, fundada e presidida por ele, já estabeleceu representantes em nove municípios em que há presença de guajajaras. Até o momento, seis das terras indígenas do estado já contam com a presença do movimento, que tem articulado junto a órgãos públicos para obter apoio a fim de viabilizar a produção.

Apesar de ter sido criada em 2018, somente no ano passado foi possível tirar de fato a ideia do papel – na terra indígena de Arariboia, por exemplo, onde a atual ministra dos Povos Indígenas passou parte da infância, já há 26 roças comunitárias que produzem arroz, milho, mandioca e feijão em maior escala. Apesar disso, os agricultores indígenas ainda não conseguem produzir o suficiente para comercializar.

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Dezenas de guajajaras trabalham nas roças comunitárias, cuja produção teve início no ano passado (Foto: Divulgação Uaima)

Desafios para indígenas se desenvolverem ainda são enormes

De forma geral, os índios brasileiros lidam com dois problemas centrais para conseguirem manter produções agrícolas em suas terras. O primeiro é que apesar de 13,8% do território brasileiro ser considerado terra indígena, há grandes impasses e burocracias para as etnias produzirem. Dificuldades para obter a regularização das terras e o licenciamento ambiental perante a Funai e o Ibama acabam, em vários dos casos, inviabilizando tentativas de desenvolvimento econômico.

Em paralelo, há um discurso de preservação cultural e ambiental acima do bem-estar indígena amplamente ecoado por ONGs ambientalistas, acadêmicos e políticos mais alinhados à esquerda que resulta na dificuldade de apoio que os índios encontram.

“Enfrentamos um problema muito grande que são essas acusações sobre impactos ambientais. Só que o nosso trabalho é sempre respeitando o meio ambiente. Não desmatamos, só aproveitamos os lugares já degradados. Os indígenas têm uma ligação muito forte com a natureza, com os nossos rios, e têm a consciência de que sem a nossa natureza não podemos viver”, diz Cristiane Guajajara.

Desses dois problemas estruturais, surgem outros: um deles é que frente à dificuldade de regularizar suas terras, os índios não conseguem se formalizar e, portanto, não têm acesso a crédito, o que impede a aquisição de equipamentos agrícolas para aumentar a produção e os coloca em um cenário de amplo trabalho braçal. Também há dificuldade para vender o que foi produzido, já que acordos internacionais restringem a importação, por países estrangeiros, de itens produzidos em terras indígenas. Há, ainda, um pequeno número de empresas brasileiras que igualmente deixa de adquirir produtos oriundos desses locais.

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Lideranças da etnia guajajara dedicados à agricultura pretendem ir a Brasília nos próximos meses para levar à ministra suas demandas. “Precisamos de apoio do governo, da Funai, do ministério [dos Povos Indígenas] para não ficarmos dependendo de assistencialismo do governo”, diz José Marcos. “Nós respeitamos a Sonia, mas ela tinha que respeitar também a decisão dos próprios parentes que existem no Brasil todo, não só a gente. Ela já falou muito sobre não apoiar a agricultura, mas a comunidade quer. Não podemos ficar à mercê da miséria”, declara.

Outro lado

A Gazeta do Povo entrou em contato com Sonia Guajajara e enviou perguntas sobre seus posicionamentos a respeito do desenvolvimento econômico em terras indígenas a partir da produção agrícola, bem como o espaço que índios pró-agricultura encontrarão em sua gestão. Não houve retorno até o fechamento da reportagem. A matéria será atualizada caso as respostas sejam enviadas.