Na noite do dia 14, um sábado, na primeira semana de sua jornada de cinco anos do Rio Grande do Sul até o Alasca, Luis Paulot saiu da cidade litorânea de Torres e parou em um posto de combustíveis à margem da BR-101. Além dele, havia mais cinco pessoas na Kombi: Suria Frota, parceira na aventura, e quatro caroneiros apanhados no caminho. Depois de abastecer o carro, o frentista disse que tinha colocado gasolina demais e mexeu no tanque para tentar tirar o excesso.
Paulot, 27 anos, não achou que fosse um problema. Ligou o motor e desceu a rampa em direção à estrada. Em questão de segundos, sentiu um cheiro forte de queimado. Suria, 31 anos, olhou pelo retrovisor e tomou um susto. “Está pegando fogo!”, gritou.
As labaredas se espalhavam pela parte de trás da Kombi e saíam pelas laterais. Os passageiros saltaram às pressas e começaram a jogar objetos para fora do veículo. Paulot apanhou o extintor de incêndio, quebrou com ele um dos vidros laterais e atacou o fogo. Em seguida, abriu a tampa e repetiu a operação no motor em chamas.
Naquela madrugada, dormindo na grama do posto de combustível, o jovem esteve perto de desistir da viagem recém-iniciada. Pensou em morar de novo em apartamento, fazer uma faculdade, retomar o emprego de programador em uma empresa de automação industrial. “Eu disse mano, vou voltar. Não consegui nem sair do Rio Grande do Sul!”.
Mas na manhã seguinte, ao acordar, Paulot reparou em uma placa do posto e surpreendeu-se com o número de telefone informado. O código de área era 48, de Santa Catarina. Ganhou novo alento. “Não vamos voltar não, mano! Já saímos do Rio Grande do Sul!”
Ele empurrou a Kombi até o estacionamento do posto de combustíveis, decidido a consertar o motor e a prosseguir a viagem rumo ao Polo Norte.
Convite de italianos
A aventura na Kombi verde, inaugurada com o trajeto pelo Litoral para aproveitar o verão, nasceu da insatisfação de Paulot com uma vida estável e convencional. Ele tinha um casamento de 11 anos, um emprego de uma década e patrimônio, mas não estava satisfeito.
“Eu estava fazendo todo aquele rolê que te dizem que é o jeito que tu vais ser feliz. Eu e minha companheira compramos apartamento, compramos carro, compramos moto, trocamos de carro, trocamos de apartamento. Sabe? Tudo aquilo tradicional. E, sei lá, não preencheu. Eu não estava feliz. É aquele ciclo sem fim: você gasta, você cria dividas, daí tem que trabalhar mais para pagar essas dívidas, daí fica meio triste porque está trabalhando demais. Sempre tive a vontade de sair, viajar. E conversava sobre isso com minha companheira. Ela disse: “Está bem, então vamos juntar dinheiro para viajar”. Mas, mano, a gente já tinha juntado dinheiro para dar três voltas ao mundo, só que a gente estava comprando apartamento, comprando carro, sabe?”
Paulot terminou o casamento e, em uma noite do ano passado, conheceu um casal de italianos que está percorrendo o mundo de carona. Eles o convidaram a ir junto.
“Não posso”, disse Paulot. Os italianos o questionaram. “Por causa do trabalho”, respondeu. “Só por isso?”, espantaram-se os italianos, conforme o relato de Paulo.
Na manhã seguinte, Paulot ligou para o chefe e disse que não ia mais trabalhar. Embarcou com o casal na sua jornada pelo Brasil. Estava com eles em Foz do Iguaçu quando tomou uma decisão. Voltaria a Porto Alegre, compraria uma Kombi, convenceria uma jovem com quem estava saindo a acompanhá-lo, reencontraria os italianos no Panamá e iria até o Alasca.
“Escolhi o Alasca porque é o mais longe que tem daqui. É o maior trajeto que dá para fazer de carro”, conta.
Apesar dos sérios problemas mecânicos e elétricos, Paulot se encantou com a Kombi 1994. Verde é sua cor favorita, e ele viu o carro pela primeira vez debaixo de uma árvore, se confundindo na paisagem. Fez a compra. Deixou o veículo em um mecânico, mas a experiência não foi boa. Resolveu aprender sobre carros e fazer ele mesmo os reparos, o que tomou quatro meses.
Nesse intervalo, a mulher com quem ele queria viajar oscilava: às vezes dizia que sim, às vezes dizia que não. Até dar um consentimento que pareceu definitivo. Paulot acelerou a preparação da Kombi, animado, mas na última hora ela desistiu.
“Fiquei muito desanimado. Estava meio por não ir. De repente, o Alasca começou a ficar mais longe.”
Nessa altura, ele já começava a chamar atenção em Porto Alegre por causa da Kombi. Às vezes dormia no teto, em plena rua. Uma noite, há apenas três semanas, estava lá no alto, no meio da Cidade Baixa, quando Suria, 31 anos, passou e puxou conversa. Os dois se reencontraram no dia seguinte e Paulot contou do plano de ir ao Alasca de Kombi. “Vamos, meu! Me leva junto! Tu já estás te enrolando há seis meses”, disse Suria.
Atração turística
O jovem montou em dois dias um sofá que se transforma em cama, instalou-o na parte de trás da Kombi, partiu da casa da família em São Leopoldo, apanhou Suria na porta do emprego, no último dia de trabalho, e deu início à aventura na terça-feira passada. O primeiro destino foi Capão da Canoa (RS), onde a dupla ficou até sábado e virou atração turística. Muita gente parava para ver a Kombi decorada com bandeirinhas coloridas e luzes de Natal e para conversar com o casal, que dormia ao relento, no teto do veículo.
No domingo, com a Kombi avariada no posto de gasolina, Paulot e Suria dedicaram o dia a fazer pulseiras e colares, que renderam algum dinheiro. O pessoal do posto ofereceu comida e liberou o uso do chuveiro. Na segunda-feira, o rapaz pedalou até Sombrio (SC), foi presenteado com algumas peças e cabos em um ferro-velho, e voltou para mexer no motor.
Fez o conserto “no enjambre”, mas nada de a Kombi ligar. Um frentista se interessou, sugeriu inverter alguns cabos e finalmente o motor arrancou. No final da tarde de segunda-feira, após uma ajuda para carregar a bateria, Zero Hora acompanhou o reinício da jornada dos viajantes.
Não foi dos mais tranquilizadores. Depois de uns poucos quilômetros, teve cheiro de queimado, teve Kombi sendo empurrada, teve Paulot atravessando a BR-101 a pé para comprar um litro de óleo. Mas também teve auxílio de gente à margem da rodovia. Pouco antes do anoitecer, a uma velocidade máxima próxima dos 60 km/h, a Kombi chegou a Balneário Gaivota, uma das primeiras praias de Santa Catarina.
Paulot e Suria não sabiam como iam fazer para comer, para tomar banho, para comprar peças novas para o motor, para chegar ao próximo destino. Mas estavam despreocupados e felizes, confiantes de que a Kombi vai levá-los ao Alasca através de muitas amizades e aventuras.
“Um boliviano muito louco me disse uma coisa, na verdade só falou isso para mim: ‘Se lo quiere, lo haces’. É real: “Se tu queres, tu fazes”. Foi extremamente útil pegar fogo no motor. Pensei: vou voltar para Porto Alegre, vou voltar para aquela vida. Mas tudo rolou tão rápido, tão certo, todo mundo ajudou tanto, que agora não tenho vontade nenhuma de voltar. Quando alguém me pergunta de onde eu sou, digo: sou da Kombi. Só sou um carinha que está tentando ser feliz de outro jeito, diferente do que dizem.
“Esse é o grande rolê”, sentenciou Paulot.