Foi-se o tempo em que conselho de mãe era se agasalhar bem e jamais aceitar doces de estranhos. Hoje, da porta da casa para fora, o alerta é digno de empedrar o café da manhã: cuide para não bater o carro ou ser pisoteado no estádio. O recente buraco do metrô de São Paulo e seus sete mortos acirraram a sensação geral de que o perigo das cidades está a anos-luz do inocente risco de pegar vento encanado e ganhar um resfriado. O medo está em trânsito.
O Instituto Paraná Pesquisas foi a campo entre os dias 21 e 22 de janeiro e conversou com 455 moradores de Curitiba. Em oito questões, a pesquisa investigou em que medida o cidadão sente medo de virar personagem de uma tragédia urbana. O resultado é no mínimo intrigante. Convidados a avaliar o grau de segurança da capital, o resultado não foi dos piores: nota 5,6. O desempenho razoável se confirma em outra questão: 52,5% consideram a cidade um lugar seguro. Mas esse otimismo despenca do vigésimo andar diante do resultado geral do questionário.
Os curitibanos a contar pela pesquisas mantêm com os espaços públicos uma relação de meter medo, com perdão ao trocadilho. Perto de 60% vivem na expectativa de um fato inusitado, como cair nas garras de um seqüestrador de plantão. Um total de 32,7% se cerca de cuidados ao pisar num estádio de futebol lugar que superou em periculosidade os terminais de ônibus. Não à toa, 62,4% gostariam de ter acesso a uma radiografia da segurança pública local. Esse dado, aliás, é o grande achado do estudo, pois aponta a nuvem negra que ronda o quesito que mais mobiliza a sociedade brasileira.
O item segurança aparece na pesquisa em meio a uma lista de sistemas urbanos que vão do transporte coletivo à telefonia, todos, naturalmente, parte da rotina de quem mora num grande centro. Mas sofrer violência angustia mais do que ficar sem água ou luz. Daí o interesse. A tensão provocada pelo tema ressurge, inclusive, em outra pergunta a que investiga quais informações urbanas cada um gostaria de receber mais amiúde: 50,9% quer saber que bairros são mais perigosos. Os outros 50% têm interesse em água potável, desmatamento, desmoronamentos, coroando os crimes contra a natureza como o segundo motivo a tirar o sono dos curitibanos.
O apreço pelo meio ambiente, inclusive, pegou de jeito o biólogo Paulo Pizzi, ambientalista com 23 anos prestados junto à ONG Mater Natura. Motivos: com base na pesquisa, a população mostra que quer ser informada sobre o estágio de penúria dos recursos naturais. "O cidadão já sabe que muitos desastres urbanos não decorrem somente da imperícia, de projetos técnicos malformulados ou incidentes fortuitos, mas que podem ser ocasionados pela não-observância das condições ambientais", comenta Pizzi.
Inseguros
Para o cientista social Pedro Bodê, do Centro de Estudos de Segurança Pública e Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o que salta aos olhos na pesquisa é a contradição. "Ao mesmo tempo em que as pessoas consideram Curitiba uma cidade segura elas têm medo de uma tragédia urbana", avalia. E explica. O medo é muito mais estudado como problema psicológico do que como fenômeno social. Nem tudo é "nóia", mas falta-nos repertório para discutir o assunto. Outra justificativa está no que o piloto automático de cada um identifica assim que escuta a palavra "medo".
Em geral, o medo tem linha direta com algum objeto ou situação real. Quando se fala em sensação de que algo não vai bem, fica faltando um elemento palpável para justificar os frios na espinha ou coisa que valha. "Esse não-sei-o-quê acaba sendo traduzido como medo do sobrenatural ou da violência", comenta. Ou seja a abstração vira um copo que se mexe sozinho ou um pivete supostamente pronto a atacar. É nessa confusão que mora o perigo.
Para Bodê, entrevistados curitibanos encontraram um objeto concreto para representar o medo abstrato que sentem da cidade: os espaços públicos lugares que metade considera deixados ao deus-dará. "As pessoas relacionam a rua com o perigo porque esses lugares abertos não lhes são familiares. Não se reconhecem neles porque deixaram de ser espaços de convivência", ilustra Bodê com uma crítica à queima-roupa: o primeiro impulso da população é exigir mais policiamento, como se aumento na vigilância fosse resolver o problema. Medidas policialescas e tolerância zero não são sinônimo de segurança", comenta.
"Vulnerabilidade." Para a psicóloga clínica Patrícia Guillon, professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), esse é o sentimento que melhor traduz a pesquisa. As pessoas, diz, se sentem fragilizadas e não sabem como cuidar do espaço em que vivem principalmente se estão pautadas apenas pelo noticiário. "O medo é um sinal de que algo está nos ameaçando. O agravante no caso das cidades é se sentir impossibilitado de reagir. O medo é evolutivo. Aumenta à medida em que não se sabe o que fazer."
Para transitar sem neuras pela cidade, Patrícia aconselha um exercício simples: relativizar em vez de generalizar; informar-se para conseguir separar o que é realidade e o que é fantasia; não abrir mão de viver, à revelia de não se sentir exatamente no melhor dos mundos; tomar os cuidados mínimos. Palavra de profissional quase um conselho de mãe.
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