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Em voto sobre Conanda, Barroso critica populismo e cita constitucionalismo abusivo
O ministro do STF Luís Roberto Barroso é o relator da ADPF 622, que trata do decreto sobre o Conanda| Foto: Divulgação/TSE

O ministro Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 622, apresentou seu voto no julgamento sobre a constitucionalidade do decreto do presidente Jair Bolsonaro que provocou mudanças no Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (Conanda). Os demais membros da Corte devem apresentar seus votos até sexta-feira (26).

Com o decreto do Executivo 10.003 de 2019, sobre o Conanda, o número de conselheiros seria reduzido de 28 para 18 o número de integrantes; alguns conselheiros que cumpriam mandatos foram dispensados; e a escolha das vagas destinadas a representantes de organizações não-governamentais deixaria de ser por eleição e passaria a ser por processo seletivo. A justificativa do governo é que o Conanda, a exemplo de outros conselhos, tem uma estrutura com muito poder nas mãos de poucas pessoas que não foram escolhidas pela população e que interferem fortemente nas decisões tomadas por autoridades legalmente instituídas nas eleições.

Barroso já havia suspendido o decreto, em caráter liminar, e agora em seu voto no julgamento virtual, iniciado em 19 de fevereiro, manteve o entendimento de que, para ele, alguns artigos da decisão do Executivo são inconstitucionais. Assim, o ministro votou pelo restabelecimento dos antigos conselheiros até o final dos mandatos, para que a eleição dos representantes das entidades da sociedade civil ocorra em assembleia específica, disciplinada pelo Regimento Interno do Conanda; que ocorra a realização de reuniões mensais pelo órgão; e ainda para que o custeio do deslocamento dos conselheiros que não residem no Distrito Federal; para que a eleição do Presidente do Conanda seja feita por seus pares. “É inconstitucional norma que, a pretexto de regulamentar, dificulta a participação da sociedade civil em conselhos deliberativos”, defendeu o ministro.

O relator da ADPF 622, porém, afirmou que o número de conselheiros poderá ser reduzido a partir do próximo mandato e de forma paritária, entre os membros do governo e provenientes da sociedade civil.

Conceito de “constitucionalismo abusivo” em voto sobre o Conanda

Em seu voto, Barroso citou conceitos como “constitucionalismo abusivo”, “legalismo autocrático” e “democracia iliberal”. O conceito de constitucionalismo abusivo, referenciado a David Landau, diz respeito ao uso de instrumentos constitucionais, previstos em regimes democráticos, para enfraquecer aquela mesma democracia.

Em outro trecho, sem citar nomes ou fazer referências diretas, o ministro critica o que considera ser tentativa de enfraquecer os demais poderes e modificar o ordenamento jurídico para permanecer no poder. Barroso salienta ainda a existência de líderes eleitos pelo voto popular que rejeitam discursos que protegem minorias.

“Todos esses conceitos aludem a experiências estrangeiras que têm em comum a atuação de líderes carismáticos, eleitos pelo voto popular, que, uma vez no poder, modificam o ordenamento jurídico, com o propósito de assegurar a sua permanência no poder. O modo de atuar de tais líderes abrange: (i) a tentativa de esvaziamento ou enfraquecimento dos demais Poderes, sempre que não compactuem com seus propósitos, com ataques ao Congresso Nacional e às cortes; (ii) o desmonte ou a captura de órgãos ou instituições de controle, como conselhos, agências reguladoras, instituições de combate à corrupção, Ministério Público etc; (iii) o ataque a organizações da sociedade civil, que atuem em prol da defesa de direitos no espaço público; (iv) a rejeição a discursos protetivos de direitos fundamentais, sobretudo no que respeita a grupos minoritários e vulneráveis – como negros, mulheres, população LGBTI e indígenas; (v) o ataque à imprensa, quando leva ao público informações incômodas para o governo”.

Conselhos ideológicos

Os argumentos do ministro, por sua vez, desconsideram a existência de conselhos e comissões federais com forte carga ideológica, configurados de tal forma a não permitir a entrada de representantes da sociedade civil com ideias diferentes. Reportagem publicada pela Gazeta do Povo, mostrou as dificuldades enfrentadas pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) para reverter o viés ideológico esquerdista de conselhos com relação às políticas para direitos humanos.

Um dos exemplos mais claros disso ocorreu por causa da polêmica resolução do Conanda que autorizou visitas íntimas a menores infratores em unidades socioeducativas e permitiu que casais formados entre adolescentes nessas unidades possam permanecer “no mesmo alojamento, sendo levado em conta o direito ao exercício da sexualidade, da afetividade e da convivência”.

“Nós lamentamos a decisão profundamente. Esclarecemos para a sociedade que o Conanda é um órgão colegiado, composto por 28 membros titulares e 28 suplentes, e que metade é de organizações da sociedade civil e metade de órgãos do governo. Nós, como Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, nos posicionamos contrariamente, assim como todos os representantes governamentais do Conanda, a esta resolução, por entendermos que ela contraria os interesses das crianças e adolescentes, que ela não protege as crianças e adolescentes – pelo contrário, expõe os mais vulneráveis a riscos dentro das unidades socioeducativas –, por entendermos que ela contraria o direito das famílias, também, de proteger as suas crianças e adolescentes que estão no sistema socioeducativo e porque ela está totalmente fora das prioridades do sistema socioeducativo no Brasil”, afirmou o secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do MMFDH, Maurício Cunha, em entrevista à Gazeta do Povo no mês passado.

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