A cena era trivial: dois carros haviam se envolvido em um acidente e um dos motoristas acenou para a o agente de trânsito que passava pelo local. João* estacionou e foi prestar o atendimento de praxe: pediu documentos do carro e carteiras de habilitação. Aí começou o problema. Um dos motoristas era policial militar e alegou que João não teria "competência" para pedir esses documentos, e que, caso insistisse, seria preso.
Foi o que aconteceu. "Quatro viaturas vieram para me conduzir até à delegacia", lembra o agente. O policial ainda tentou processá-lo por abuso de autoridade, mas perdeu a ação. Apesar de o caso ter ocorrido há três anos, o agente ainda processa o Estado por danos morais. Nenhuma decisão foi proferida.
O caso é um retrato extremo mas não raro do que acontece aos agentes de trânsito na capital. Curitiba tem 355 profissionais. A cada mês, dois a três relatos de agressões mais contundentes chegam ao setor de gestão de pessoas. Em 2014, até a última semana foram 23 relatos de agressão.
Um caso grave ainda está sob investigação: um agente de trânsito foi assassinado, em agosto, enquanto trabalhava no bairro Cidade Industrial de Curitiba. Rinaldo Lopes, de 50 anos, levou um tiro dentro da própria viatura. Ele atendia a um pedido de verificação de estacionamento irregular quando foi abordado por dois homens que estavam em uma moto e efetuaram o disparo.
Segundo João, xingamentos são constantes. "FDP é como bom dia. Você tem que se acostumar", desabafa. Já os casos em que há violência física são mais raros, mas ainda assim ocorrem. Em meados dos anos 2000, uma agente que fiscalizava o Estacionamento Regulamentado (EstaR) apanhou de um juiz.
Por isso, desde a época da Diretran existe o Grupo Anjo, formado pelos próprios funcionários, que tem como objetivo apoiá-los e orientar nos casos em que há necessidade de registro de boletim de ocorrência ou até mesmo de ações judiciais.
Arrogância
Ele conta que o "você sabe com quem está falando" é usado indistintamente, mas há "tipos" que tentam se valer da posição ou profissão com mais frequência. Além de pessoas que aparentam alto poder aquisitivo, estão na lista profissionais do Direito de modo geral, policiais, padres, pastores e políticos, que além de tentar se livrar de eventuais multas, também invocam sua base de votos.
O modo de atuação inclui a tradicional carteirada, até reclamações em sermões de missas uma vez que carros estacionados em cima da calçada são multados, incluindo os que estão atrapalhando os pedestres na frente de igrejas. Há quem ligue para secretários de estado e diretores de trânsito, e os que fazem discursos inflamados contra os agentes no plenário de casas legislativas.
Recentemente, outro problema enfrentado pelos agentes está ligado à ação de criminosos, que intimidam e até impedem a entrada dos profissionais em determinadas comunidades.
"Apesar da fama de arrogantes ou prepotentes, os agentes têm de ter calma para lidar com isso. Estamos fazendo o nosso trabalho e cumprindo a lei. É meu dever autuar uma irregularidade, não há outra possibilidade", diz João*.
Mais agentes
Os 355 agentes da Setran estão divididos em duas unidades, de fiscalização e estacionamento rotativo. O esquema de trabalho tem sete turnos. O problema é a quantidade de profissionais. Uma recomendação do Denatran diz que deve haver um agente para cada mil veículos. Curitiba, que possui uma das maiores frotas do Brasil, precisaria de 1.355 agentes
*Nome fictício