O governo Lula chega ao fim envolto em uma série de mitos que não correspondem aos fatos. Alguns nasceram das críticas da oposição. Mas a maioria foi criada pelo próprio presidente, mestre em se promover. Essa capacidade de comunicação com o povo, aliás, é uma das marcas de Lula, diz o historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos. "Ele mostrou que um governante deve se comunicar bem com o povo. E, para o bem ou para o mal, Lula é medalha de ouro nisso", diz Villa. A Gazeta do Povo levantou cinco mitos do governo Lula. E, nesta reportagem, conta a verdade sobre eles
1 - O governo Lula recuperou a capacidade de investimento do Estado
Durante a gestão Lula (2003-2010), os investimentos do governo federal em obras, tocadas com recursos do orçamento da União, permaneceram em níveis semelhantes e até mesmo mais baixos do que na administração de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). No melhor ano de FHC, foram gastos 2,42% do orçamento em obras. Já o desempenho mais elevado de Lula foi de apenas 1,67% (veja infográfico ao lado).
O aumento do montante investido pela atual administração, em comparação com a gestão FHC, só é visível quando se incluem nas contas os investimentos feitos pelas estatais empresas que muitas vezes têm sócios privados, que esperam delas o aumento dos investimentos para ampliar os lucros e a distribuição de dividendos. Em 2001, penúltimo ano do governo tucano, as estatais e a União investiram em obras o equivalente a 1,78% do Produto Interno Bruto (PIB). Já no ano passado, o investimento de 3,30% do PIB.
Portanto, se não fossem as estatais, o governo por si só não teria ampliado a capacidade de investimentos, apesar do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). "O Lula colocou no PAC um pacotão que inclui estatais e até empresas privadas. Naquilo que é do Tesouro mesmo, o Lula não bate FHC", diz o economista Judas Tadeu Grassi, diretor-presidente da Estação Business School.
Grassi ainda destaca que uma das principais falhas do PAC é que o programa não ampliou os investimentos em infraestrutura principalmente estradas, ferrovias e portos. Essas obras são obrigação governamental e não de estatais, que só investem na área em que atuam.
De acordo com o economista Felipe Salto, da Consultoria Tendências, o mérito do PAC foi colocar na agenda do governo o objetivo de ter taxas de crescimento elevado a longo prazo, mas mantendo a estabilidade econômica. Ele observa, porém, que o governo não conseguiu cumprir o objetivo e criar condições para um crescimento sustentável de longo prazo. Para Salto, sem o aumento dos investimentos, esse crescimento deve sofrer limitações. E a ampliação do montante investido não deve ocorrer devido ao tamanho da máquina pública. Embora durante a gestão Lula os gastos com funcionalismo em relação ao orçamento não tenham crescido (veja o mito 5, na próxima página), também não houve retração dessas despesas.
"É preciso incorporar práticas de gestão para reduzir ao máximo o desperdício e usar da melhor forma o dinheiro. Isso se faz reduzindo a proporção dos gastos correntes sobre o PIB e aumentando os investimentos", recomenda Salto.
2 - O Bolsa Família é uma bolsa-esmola
Carro-chefe do governo Lula na área social, o Bolsa Família é criticado por não oferecer uma porta de saída aos seus beneficiários tanto que chegou a ser apelidado de "bolsa-esmola" e é rotineiramente tratado como um programa meramente assistencialista e eleitoreiro.
Mas o programa tem méritos inegáveis. O Bolsa Família é apontado por especialistas como um dos fatores responsáveis pela redução da pobreza e da desigualdade no Brasil nos últimos oito anos (veja quadro).
De acordo com a economista Priscila Tavares, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Mackenzie, o programa consegue atacar a pobreza no curto e no longo prazo. No primeiro caso, com a transferência direta de renda. No segundo, quando vincula o pagamento do benefício a uma série de condicionantes sendo a principal delas a exigência de os filhos dos beneficiários frequentarem a escola. Crianças entre 6 e 15 anos devem ter presença mensal mínima de 85% nas aulas e os adolescente entre 16 e 17 anos devem estar presentes a 75%.
"Se está dando certo [a meta de longo prazo], ainda não é possível avaliar. Mas o que é certo é que o programa amplia a frequência das crianças nas escolas, principalmente quando se passou a incluir os jovens entre 16 e 17 anos", diz Priscila.
Outra vantagem do Bolsa Família é o custo relativamente baixo do programa quando se leva em conta a sua capacidade de solucionar de imediato o problema da fome de milhares de brasileiros. No primeiro semestre deste ano, foram pagos R$ 6,9 bilhões em benefícios a 12 milhões de famílias uma média mensal de R$ 95 por casa.
Priscila observa, porém, que o Bolsa Família ainda precisa avançar, principalmente no acompanhamento das famílias atendidas. "Hoje se discute uma política de acompanhamento, em que um agente comunitário vá até os beneficiários para oferecer uma cesta de serviços mais adequada para a realidade daquela família."
3 - O governo Lula investiu muito mais que FHC na área social
Durante a gestão Lula, houve um salto nos gastos com assistência social passando de 0,85% do orçamento nos últimos três anos de governo FHC, para 2,48% das despesas do mesmo período da administração petista. No entanto, em educação e saúde, áreas sociais essenciais, o porcentual gasto por Lula continuou semelhante ao do governo anterior. Nos últimos três anos da gestão FHC, 3,64% das despesas foram destinadas para a saúde e 1,86% para educação. No governo Lula, os gastos com saúde e educação nos últimos três anos (até julho de 2010) corresponderam, respectivamente, a 3,58% e 2,03%. Ou seja, o patamar de investimento foi parecido nos dois governos.
A economista Priscila Tavares, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Mackenzie, lembra que isso não significa que a política social de FHC tenha sido melhor que a de Lula. "O programa Bolsa Família, bem executado, aumenta a educação das crianças, que com a ajuda financeira frequentam mais a escola. Mas é preciso melhorar em outras frentes. Por exemplo: reduzindo os gastos com ensino superior e aplicando mais em ensino fundamental", pondera o economista José Márcio Camargo, da PUC Rio e da Opus Gestão de Recursos.
4 - O Brasil pagou suas dívidas e agora é credor
O governo brasileiro ainda deve muito dinheiro para terceiros, embora a dívida federal, durante a gestão Lula, tenha sido reduzida em relação ao PIB. De acordo com dados do Banco Central, até outubro deste ano, a dívida bruta do Brasil correspondia a 67,8% do PIB. Em dezembro de 2002, último ano da gestão FHC, essa dívida era de 76,7% do PIB.
O que aconteceu durante os últimos oito anos foi uma redução da dívida externa e um crescimento da interna. No ano passado, a dívida interna do país chegou a 65,1% do PIB. Em 2001, penúltimo ano do governo tucano, esse índice era de 54,1%. Por outro lado, a dívida externa caiu. De 13,9% em 2001 para 3,5% em dezembro do ano passado. Ainda assim, o Brasil deve dinheiro para organismos internacionais, apesar do discurso oficial de que a dívida externa foi totalmente paga.
Em termos absolutos, o governo Lula também pagou mais juros que a gestão Fernando Henrique Cardoso, afirma o economista Judas Tadeu Grassi, diretor-presidente da Estação Business School. De acordo com ele, em oito anos, Fernando Henrique pagou R$ 600 bilhões em juros, enquanto o governo Lula fecha o período com R$ 1,3 trilhão destinados ao pagamento de juros. No ano passado, cerca de 9,3% do orçamento da União foi destinado ao pagamento de juros e encargos da dívida. No penúltimo ano do governo FHC, esse porcentual foi de 8,75%.
Grassi observa que o governo continua a gastar mais do que arrecada e isso dificulta uma redução da dívida. "É preciso fazer um ajuste dos gastos da máquina pública. Caso contrário, será preciso reajustar impostos", afirma.
5 - Lula inchou de forma descontrolada a máquina pública
Desde a gestão FHC, os gastos da União com pagamento de pessoal têm se mantido constantes, em relação à arrecadação. De acordo com dados do Tesouro Nacional, entre janeiro e julho deste ano, 10,7% de tudo que o governo federal gastou foi usado com funcionalismo.
No ano passado, foram gastos 11,5%. É a maior taxa desde 1997, terceiro ano da administração tucana. Mas, entre 2003 e 2007, nunca havia passado de 10% do orçamento.
Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), o gasto com pessoal equivalia a 4,27% em 1997; e passou para 4,83% no ano passado. O valor mais baixo registrado nesse período foi em 2005 (4,3%), já durante a administração de Lula. Ou seja, a gestão petista não promoveu um inchaço descontrolado da máquina.
Corte e recuperação
Embora mantenham patamares semelhantes de gastos, as gestões Lula e FHC tiveram posturas diferentes em relação ao funcionalismo. Enquanto na gestão tucana houve uma redução no número de funcionários do Executivo, nos oitos anos de mandato petista se fez o movimento contrário: com uma recuperação do quadro de servidores.
Na administração FHC, o número de funcionários da ativa passou de 951,5 mil em 1995 para 809,9 mil em 2002, entre civis e militares. Com Lula, houve expansão. Atualmente, são 913,8 mil servidores federais. A recuperação se deu principalmente entre os militares (veja mais no infográfico). Segundo o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, o quadro de funcionários deve se estabilizar em 2011, após essa fase de crescimento.
De acordo com o Planalto, as contratações foram feitas para aprimorar a quantidade e a qualidade do serviço público. Além disso, também foram realizados novos concursos para substituir funcionários terceirizados em situação irregular, seguindo determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Ministério Público do Trabalho.
Na avaliação do economista Gil Castelo Branco, diretor da ONG Contas Abertas, há um viés de alta nos gastos do governo com pessoal. Além disso, as despesas com funcionalismo costumam ser de longo prazo, o que é preocupante quando se pensa num cenário de crescimento econômico não sustentável. "O problema é que, quando o PIB cai, ainda se mantêm os gastos com pessoal. Por isso, não descarto alguns ajustes para o ano que vem, como concursos públicos e reajustes protelados", afirma Castelo Branco.
Para o pesquisador Lucídio Bicalho, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o Brasil precisa evoluir a discussão sobre o "custo" do funcionalismo público. "Não temos um gasto monstruoso com pessoal. Mas é preciso pensar qual é o retorno do gasto com funcionalismo para a sociedade."
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