Oito anos após as primeiras denúncias sobre o mensalão, o julgamento do caso deve ser encerrado nesta semana pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O simbolismo da condenação de 25 dos 38 réus do processo, no entanto, contrasta com os prognósticos sobre o futuro da política brasileira. Hoje, data de celebração do Dia Mundial de Combate à Corrupção, o cenário é de poucas ações concretas para evitar que novos escândalos do mesmo perfil se repitam. "Os Cachoeiras da vida não são os únicos responsáveis pela corrupção. O Estado brasileiro, com todas as suas fragilidades institucionais, também é culpado", resume o deputado Francisco Praciano (PT-AM), presidente da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção. Cinco dessas questões "responsáveis" pelo ambiente desfavorável estão listados abaixo.
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1 Financiamento de campanhas continua na mesma
O financiamento de campanhas está no cerne da maioria dos escândalos de corrupção do país, incluindo o mensalão. Grosso modo, muitos empresários investem em campanhas e exigem, em troca, benefícios após o término das eleições seja com uma "forcinha" em licitações, ou por meio da aprovação de leis que beneficiem a empresa. Uma solução para evitar essa situação seria a proibição do financiamento privado de campanhas políticas. Essa proposta é defendida pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). Para a diretora do grupo, Jovita Rosa, o financiamento da forma que está já acaba sendo público, já que a conta acaba caindo nos bolsos dos eleitores. "Nenhum empresário doa para campanhas políticas, e sim investe", afirma. A solução está longe de ser um consenso. Para o especialista em transparência Fabiano Angélico, o financiamento exclusivamente público ajudaria a afastar o eleitor do processo político. Em países como os Estados Unidos, por exemplo, grande parte das doações para campanha vem do eleitor comum, que acaba se engajando nas campanhas e na política o que é positivo para a democracia.
2 Projetos anticorrupção não avançam
Não faltam ideias para combater novos mensalões. Segundo o presidente da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção, o deputado Francisco Praciano (PT-AM), quase 160 projetos sobre o tema tramitam no Congresso. Entretanto, falta vontade política dos deputados para colocá-los em votação. Um exemplo citado por Praciano é o Projeto de Lei nº 6826/2010, que prevê punição a empresas corruptoras hoje, apenas os diretores de empresas, pessoas físicas, podem ser punidos. Uma comissão foi montada para discutir o projeto antes de enviá-lo a plenário. Entretanto, é raro que as reuniões dessas comissões tenham quórum, o que inviabiliza sua discussão. "Dá a impressão de que os congressistas não querem matar a galinha dos ovos de ouro", critica. Outras proposta que tramita na Casa cria um caminho especial para julgamentos de crimes contra o erário, o que agilizaria o julgamento de corruptos. Segundo Praciano, o projeto já passou por todas as comissões e está apto a entrar na pauta de votações da Câmara. Entretanto, está há anos na fila esperando a boa vontade das lideranças da Casa.
3 Era uma vez a reforma política
A votação de pelo menos dois dos itens mais básicos da reforma política o fim das coligações nas eleições proporcionais e a coincidência de datas dos pleitos nacionais e estaduais com os municipais foi anunciada como prioridade pelo presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), para votação no começo de dezembro. Assim como em pelo menos outras três tentativas desde 2003, porém, as propostas permanecem emperradas. Sem as mudanças, fica difícil evitar negociações como o repasse de R$ 4 milhões do PT para o PTB em troca da aliança nas eleições para prefeituras de todo Brasil em 2004. Dois anos antes, os petebistas apoiaram Ciro Gomes (então no PPS) contra Lula se as disputas tivessem ocorrido na mesma data, a transação dificilmente teria ocorrido. O "negócio" foi um dos motivos que levou à condenação o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson. Já o sistema de coligações está prestes a ajudar outro condenado no processo, o ex-presidente do PT José Genoino. Em 2010, o 1,3 milhão de votos de Tiririca (PR) ajudou Genoino a alcançar a vaga de suplente da Câmara na chapa com PRB/PT/PR/PCdoB/PTdoB. Em janeiro, ele deve assumir a cadeira deixada por Carlinhos Almeida, que se elegeu prefeito de São José dos Campos. "Não dá para imaginar que parlamentares que dominam o jogo da conquista de mandatos vão se dispor a modificá-lo. E assim o Brasil continua com um sistema político arcaico e disfuncional", avalia o cientista político do Instituto de Ensino e Pesquisa de São Paulo Carlos Melo.
Pedro Ladeira/AFP
4 STF não tem fôlego para mais superjulgamentos
A condenação de 25 réus do julgamento do mensalão elevou o STF ao status aparente de principal arena de combate à corrupção no país. O histórico do tribunal e o volume de processos contra políticos, no entanto, contrariam essa premissa. Antes do mensalão, o STF só havia condenado quatro deputados federais em um período de 22 anos. Pela demora no julgamento, a pena contra um deles, o ex-prefeito de Curitiba Cassio Taniguchi (DEM), prescreveu. Nenhum dos outros três foi para a prisão e Natan Donadon (PMDB-RO), condenado a 13 anos e quatro meses de cadeia, continua exercendo o mandato normalmente. Além disso, de acordo com levantamento feito pelo portal Congresso Nacional em maio do ano passado, 136 deputados federais e senadores que haviam acabado de começar a atual legislatura eram alvos de inquéritos ou ações penais no Supremo. Proporcionalmente, a pesquisa indicava que um a cada cinco congressistas poderia ser julgado no exercício do mandato. O professor de Direito Constitucional da Universidade de Brasília Cristiano Paixão diz que todo o procedimento que ainda envolve o julgamento do mensalão pode ser considerado como uma "anomalia". "A ideia de que foi o maior e mais importante julgamento da história do Supremo é errada. O STF é uma corte constitucional e não penal", diz Cristiano Paixão.
5 Compra de apoio continua, com emendas e cargos
O principal eixo do mensalão, segundo os ministros do STF, era a compra e apoio político no Congresso Nacional para a consolidação do projeto de poder articulado pela cúpula nacional do PT. A busca da "governabilidade" por meio da aliança com diferentes partidos com representação no Parlamento continua em alta na política brasileira. "A diferença está na moeda de troca", analisa Elvis Cenci, professor de Ética e Filosofia Política da Universidade Estadual de Londrina. Pelo modelo de presidencialismo de coalizão adotado no Brasil desde os anos 1980, a estratégia mais comum para conseguir apoio parlamentar tem sido troca por cargos no governo. José Sarney loteou o primeiro escalão entre quatro legendas e, posteriormente, Fernando Henrique Cardoso entre seis, Lula, dez, e Dilma, oito. "O que houve na época do mensalão foi que o PT tentou primeiro restringir essa divisão, pagando pelo apoio com dinheiro em espécie", compara Cenci. "Tanto não deu certo que o Lula voltou a usar o loteamento, com sucesso, no segundo mandato." Outro instrumento de barganha, as emendas parlamentares, continua sendo usado em larga escala. Ao longo dos oito anos de governo Lula, o valor reservado às emendas individuais aumentou 550%, de R$ 2 milhões para R$ 13 milhões. Para o orçamento de 2013, o valor destinado por parlamentar será de R$ 15 milhões.