| Foto: Arquivo/ Gazeta do Povo

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O homem que renunciava a quase tudo

Embora a renúncia de Jânio Quadros tenha sido uma surpresa para os brasileiros, o passado do ex-presidente mostrava que isso poderia ser esperado. Antes de abandonar a Presidência, Jânio já havia renunciado a quase todos os mandatos que havia conquistado.

Eleito vereador em 1948, deixou o cargo para ser deputado estadual. Chegou à Assembleia Legislativa de São Paulo em 1951, mas deixou o posto já em 1953 para disputar a prefeitura de São Paulo. Eleito prefeito, novamente não chegou a completar o mandato: deixou o cargo para ser candidato ao governo de São Paulo em 1955.

O professor Nelson Valente, autor de uma biografa de Jânio, diz que no governo do estado Jânio chegou também a escrever uma carta de renúncia. Um assessor, porém, encarregado de entregá-la, preferiu esperar. E fez bem: Jânio acabou desistindo de renunciar ao mandato.

Ainda antes da Presidência, Jânio renunciaria uma última vez. Para esperar a eleição nacional, o ex-governador decidiu disputar uma eleição para deputado federal pelo Paraná. Ganhou. Mas novamente o mandato ficaria sem conclusão. A Presidência parecia ser o destino de Jânio. Porém em Brasíla foi onde menos ficou: a renúncia demorou apenas sete meses.

Sandro Moser

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Carreira meteórica: em apenas 12 anos, Jânio passou de vereador a presidente da República. No entanto, mostrou que estava pouco preparado para o cargo
Populista, Jânio é considerado um grande
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Há 50 anos, um ato inusitado de Jânio Quadros espantava o país – e dava mais um golpe na já instável democracia brasileira. Em 25 de agosto, sem maiores explicações, o presidente, que havia tomado posse apenas sete meses antes, renunciou ao cargo. Jânio afirmou que "forças terríveis" o levaram ao gesto drástico, mas se recusou a dizer que forças eram essas. Cinco décadas depois, a renúncia continua sendo alvo de teorias de historiadores. O que parece fora de contestação é que o ato encerrou um dos governos mais atrapalhados da República brasileira.

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Ao chegar à Presidência, em 1961, Jânio já era uma figura folclórica. Na carreira meteórica, que o levou de vereador a presidente em apenas 12 anos, ele já havia criado mitos suficientes sobre si mesmo: a fala rebuscada; a caspa deixada propositadamente no paletó para se assemelhar a um "homem comum"; o temperamento forte; o populismo levado ao extremo – Jânio pouco lembrava a figura "presidencial" de Getúlio Vargas ou Juscelino Kubitschek.

"Jânio era imbatível como candidato. Era bom de ganhar votos. Mas não era um homem preparado para governar", diz o professor de Ciência Política Carlos Luiz Strapazzon. "Ele pode ser apontado como o primeiro político midiático do país. O símbolo da vassourinha, para varrer a corrupção de JK, usado na campanha é só uma parte disso", afirma.

Entre as teorias que podem explicar a decisão inusitada da renúncia sempre aparece o possível conflito entre o presidente, pouco dado a negociações, e o Con­­­gresso. "Mas é preciso dizer que ele tinha maioria no Con­­­gresso, não havia nenhuma hostilidade em relação a ele", diz o professor de Ciência Política Octaciano Noguei­­ra, da Universidade de Brasília (UnB). "O fato é que o Jânio não tinha a serenidade que o cargo exigia e, ainda por cima, governou em um período turbulento", afirma.

A turbulência havia começado com o suicídio de Vargas, em 1954. Passou por uma tentativa de golpe de Estado em 1955 e se aprofundaria ainda mais com a renúncia de Jânio. Há quem diga que esse novo golpe na jovem democracia brasileira, iniciada em 1946, tenha sido decisivo para o golpe de 1964 – os militares e a direita da UDN, o partido mais conservador da época, não deixariam o vice, João Goulart, governar por ser considerado um homem de esquerda.

Para o professor de História Marco Antônio Villa, da Univer­­­sidade Federal de São Carlos (UFS­Car), o que pode se dizer com certeza é que Jânio tinha desejo de voltar ao poder provavelmente para ter mais força do que já tinha. "É preciso lembrar que três anos antes, em 1958, isso tinha acontecido na França, com o presidente Charles de Gaulle. Jânio tinha isso muito presente quando renunciou", diz.

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A renúncia, porém, foi aceita. O povo não se mobilizou. E Jânio jamais voltaria à Presidência. Sua única chance havia passado – e, ao invés de ficar mais poderoso, ele ganharia apenas a fama de um presidente trapalhão.