Em Itaipulândia, instituição empregava 4% da população
O pequeno município de Itaipulândia, a 70 quilômetros de Foz do Iguaçu, no Oeste do Paraná, tinha o maior contrato da ONG Adesobras no estado. A entidade empregava cerca de 400 pessoas na cidade. Ou seja: 4,4% dos moradores de Itaipulândia, cuja população é estimada em 9 mil pessoas, trabalhavam para a organização.
No total, a prefeitura repassava mensalmente cerca de R$ 700 mil para a Adesobras. A ONG atuava em quase todas as áreas na cidade: saúde, educação, cultura, esportes, turismo, ação social, agricultura, desenvolvimento econômico e geração de empregos e renda.
O contrato foi rompido em novembro do ano passado, segundo a prefeitura. A decisão foi tomada pelo atual prefeito Sidnei Picoli, que assumiu o município após o prefeito anterior, Lotário Knob, ter sido cassado. Knob ocupou o cargo no lugar do prefeito eleito Vendelino Royer, assassinado em julho de 2008.
No fim de 2011, antes da troca de prefeito, o município chegou a lançar um concurso público para contratar 163 funcionários. No entanto, o concurso foi cancelado por suspeitas de irregularidades.
Alegando não ter funcionários suficientes para prestar serviços, o município fez um contrato emergencial com outra ONG, que hoje presta serviços no lugar da Adesobras. "Assumimos a prefeitura sem ninguém para trabalhar", justifica o atual secretário de Administração Jeferson Machado.
São Miguel
Em São Miguel do Iguaçu, a 45 quilômetros de Foz, a prefeitura mantinha três convênios com a Adesobras, que totalizavam um repasse mensal de R$ 168 mil. Todos venceram no último dia 14 e não foram renovados. A determinação para encerrar o vínculo com partiu do próprio interventor da Adesobras.
O secretário municipal de Administração, Rosari Luis Bedin, diz que os projetos serão mantidos pelo município. O próprio interventor da Adesobras recomendou a continuidade do projeto executado na área social, direcionado a crianças carentes.
Bedin diz que o contrato foi selado porque até então não havia sido detectado problemas entre o município e a Adesobras. "Não havia problemas com a gente. O problema deles era fora [da cidade]." O secretário ainda diz que são poucas as empresas que se candidatam para prestar serviços em municípios pequenos.
No projeto esportivo, a prefeitura repassava para a Adesobrás R$ 37 mil mensais. Cerca de 800 crianças e jovens de 17 anos eram beneficiados com a prática de vôlei e escolinhas de futebol. Um grupo de 25 cadeirantes tinha aulas de handebol. O município abriu concurso público para contratar técnicos esportivos para manter o projeto.
Na área de cultura, a prefeitura pagava R$ 34 mil mensais à ONG. Para manter o serviço, o município pretende aproveitar funcionários da própria administração. O maior montante era destinado ao projeto social: R$ 97 mil ao mês. São atividades de lazer e cultura voltadas para cerca de 300 crianças no contraturno escolar. A prefeitura quer fazer uma licitação e contratar outra instituição para não encerrar o projeto.
Denise Paro, da sucursal
Prefeitura
Curitiba tem convênio com ONG sob intervenção
A prefeitura de Curitiba mantém desde 2010 um contrato com a Ibidec, ONG "irmã-gêmea" da Adesobras. Apenas a Adesobras está na lista negra da União. Mas as duas, que funcionam na mesma sede e eram administradas por marido e mulher, estão sob intervenção judicial devido a irregularidades em seus contratos. A Ibidec fornece instrutores para cursos nos 26 Liceus do Ofício que a Fundação de Ação Social (FAS), órgão da prefeitura, mantém na cidade. A administração municipal ganhou prazo até junho para que o contrato seja encerrado.
A Ibidec foi vencedora de uma licitação no fim de 2009 e assinou contrato em março de 2010. O contrato é para fornecimento de instrutores para cursos de informática, construção civil, turismo, hotelaria, administração e gastronomia. Os liceus são responsáveis por treinar trabalhadores nos bairros da cidade.
No ano passado, a ONG chegou a receber R$ 165 mil em um único mês da prefeitura. O dinheiro serve para pagamento das horas-aula dos instrutores e para cobrir os custos da instituição. Segundo a prefeitura, não houve nenhum indício de irregularidades no contrato.
"Não haveria como a prefeitura fazer as contratações diretamente", diz Deise Sueli de Pietro Caputo, diretora de geração de trabalho e renda da FAS. "São muitos cursos e a cada hora temos demanda por instrutores de uma área. Não haveria como demitir e contratar o tempo todo", afirma. Segundo Deise, a prefeitura está preparando uma licitação para escolher a sucessora do Ibidec, ainda sem data para realização. (RCF e RWG)
Seis instituições sem fins lucrativos paranaenses, incluindo a Adesobras (veja reportagem na página anterior), entraram na lista de 164 ONGs de todo o país proibidas de celebrar convênios com o governo federal por determinação da Controladoria-Geral da União (CGU).
As entidades têm problemas bem diferentes. A Adesobras, por exemplo, está sob intervenção judicial após ter sido alvo de uma operação da Polícia Federal em 2011. Mas há organizações não governamentais com problemas bem menos sérios caso da Associação Imbuia de Pesquisas, que segundo a União já apresentou os documentos que faltavam e deve ser retirada da relação.
A ONG mais conhecida da lista, dentre as paranaenses, é a Sociedade Evangélica Beneficente de Curitiba (SEB), mantenedora do Hospital Evangélico e da Faculdade Evangélica. A entidade fez um convênio com o Ministério do Turismo, com teto de R$ 4 milhões, para qualificação de agentes turísticos para a Copa de 2014. No entanto, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou irregularidades no convênio, que foi suspenso.
Procurada pela reportagem, a SEB disse que o novo presidente, João Jayme Ferreira, assumiu há menos de duas semanas e ainda está tomando pé da situação, e que por isso não iria se pronunciar sobre o assunto.
Outra instituição que entrou na lista devido a um convênio com o Ministério do Turismo foi a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Paraná (Abih). Segundo seu presidente, Henrique Lenz César Filho, a entidade recebeu R$ 696 mil, de um contrato de R$ 1,2 milhão, para a produção de uma cartilha. "Não há nenhuma irregularidade", afirma César Filho. "Apenas, como houve problemas com outras instituições, resolvemos não gastar o dinheiro e esperar instruções sobre o que fazer", diz ele.
Justiça comunitária
Outra ONG que entrou na lista da CGU foi o Instituto Desembargador Alceu Conceição Machado (Idam), de Curitiba. A instituição recebeu R$ 120 mil do Ministério da Justiça para montar um Núcleo de Justiça Comunitária no bairro Sítio Cercado, na capital paranaense.
Segundo o juiz Roberto Bacellar, um dos organizadores do projeto do Idam, a ideia era prestar atendimento jurídico e ajudar a população a resolver os próprios problemas, inclusive capacitando agentes da região para fazer o atendimento. "Nunca mais faço projetos com dinheiro público", diz Bacellar. "Cada vez mudavam as instruções sobre o que tínhamos de fazer. Cheguei a tentar devolver o dinheiro, mas nem isso permitiram que fizéssemos", afirma.
Bacellar diz que o instituto, que é presidido por sua esposa, está encerrando as atividades. "Vamos fazer uma ata notarial para registrar tudo o que foi adquirido e fechar as portas", diz. Segundo ele, antes será preciso pegar computadores que estão com voluntários que ainda prestam atendimento à população.
A última ONG a entrar na lista foi o Conselho Londrinense de Assistência à Mulher (Clam), responsável pelo Hospital da Mulher. O hospital fechou as portas no ano passado. A reportagem não conseguiu contato com a diretoria da ONG para comentar o assunto.
Municípios "driblam" lei ao fazer terceirizações, afirma especialista
Para o especialista em gestão municipal François Bremaeker, as prefeituras brasileiras usam a contratação de ONGs e de empresas terceirizadas como um modo de "driblar" a Lei de Responsabilidade Fiscal. "Desde que a lei passou a impor um limite de gastos com funcionalismo, essa passou a ser uma maneira de contratar mais pessoas sem ferir a legislação", afirma Bremaeker, que é consultor da Associação Transparência Municipal.
Apesar de ajudar as prefeituras a não terem problemas para aprovar suas contas, o esquema causa problemas. "Como é preciso pagar a ONG, é claro que sai mais caro do que se fosse feita a contratação direta dos funcionários", diz. Segundo ele, a terceirização, porém, também tem aspectos positivos. "Um dado importante é que isso reduz o gasto previdenciário mais adiante."
Fiscalização
Para combater as fraudes nos contratos, o Tribunal de Contas do Estado (TC) mudou as regras de fiscalização de ONGs no ano passado. Antes, apenas a prefeitura prestava contas de como havia gasto o dinheiro. Agora, as entidades que recebem a verba também precisam explicar como o dinheiro foi aplicado.
Segundo Elias Gandour Thome, diretor de Análise de Transferências, as irregularidades mais comuns nesse tipo de contrato são a cobrança de taxa de administração, a subterceirização (quando a ONG repassa o contrato para outra instituição), e a falta de demonstração de como foram gastos os recursos. A instrução normativa do TC, publicada em outubro, determina também que a ONG tenha atuação prévia na área exigida pelo contrato.
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