“O governo não queria que eu fosse o relator, queria aprovar o projeto de roldão. (...) eles planejam uma solução rápida. E eu fiz o relatório rapidamente, em uma semana.”| Foto: Giuliano Gomes/Gazeta do Povo

O senador Flávio Arns (PT) busca uma solução de consenso para uma das maiores polêmicas do ano – a criação de regras para a certificação de entidades filantrópicas. O paranaense é relator do projeto de lei 462/2008, do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). O texto substitui a polêmica medida provisória 446/2008, a MP da Filantropia, que previa renovação automática de certificação para instituições que comprovadamente não exercem atividades beneficentes de assistência social. A MP foi devolvida ao Palácio do Planalto no mês passado pelo presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), o que gerou uma crise entre os poderes Executivo e Legislativo. Arns esforçou-se para conseguir a relatoria do novo projeto na Comissão de Assuntos Sociais sem apoio do governo e promete mudanças substanciais no texto de Jucá para tentar facilitar o trabalho das entidades "sé-rias". "É hora de transformar a confusão em oportunidade", afirma.

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A atual texto do projeto de lei apoiado pelo governo para regulamentação das entidades filantrópicas é viável?

A proposta tem de ser melhorada, em vários aspectos. Há três que eu considero fundamentais. Em primeiro lugar, ela não pode tocar no assunto de imunidades e isenções a entidades, o que precisa ser definido por uma outra lei complementar. O segundo é tratar de maneira clara como vai ocorrer a participação da sociedade civil organizada. Por último, é necessário definir com transparência todos os aspectos em relação à certificação concedida às entidades.

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O senhor concorda com as críticas da oposição à proposta inicial do governo, batizada de medida provisória da "pilantropia"? Como privilegiar as instituições sérias?

Temos de pensar que as entidades filantrópicas ou beneficentes de assistência social são na essência um patrimônio extraordinário para uma nação. Elas prestam um conjunto de serviços que o poder público não consegue ou não tem vocação para fazer. Eu sempre cito como exemplo o atendimento às pessoas com deficiência. O Estado nunca atendeu esse setor como deveria. Por isso nada melhor do que trabalhar com setores sociais que querem ser uma entidade pública, mas não estatal. Precisamos dar valor ao que a sociedade faz. Infelizmente, muitos membros do governo procuram desqualificar essas entidades e generalizar exemplos negativos. Isso está na contramão do que países desenvolvidos fazem. Existe no governo um sentido estatizante muito forte, de dizer que o que é bom só aquilo que o poder público faz. A partir desse conceito equivocado, tudo é feito para dificultar a vida dessas instituições.

O senhor é contra ou a favor da renovação automática dos certificados de filantropia?

Sou absolutamente contra a renovação automática porque isso ajuda a denegrir a imagem de quem quer ser correto. Quando você tem mil processos que passaram pela aprovação automática, o que sugere falhas, tem de lembrar por outro lado que há centenas de entidades que cumprem as suas atividades nesse bolo. Eu conheço casos de entidades que são vítimas de perseguição do poder público. Há uma força-tarefa que quer perseguir as entidades filantrópicas. Eu tenho um conjunto de provas – e-mails, correspondências – que mostram como determinados agentes perseguem determinadas instituições, inclusive no Paraná. Há casos em que a acusação é simplesmente fotocopiada de um processo para outro.

Quais mudanças o senhor propõe na fiscalização das entidades?

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Estamos tirando todo debate de imunidade e isenção. Há uma ação no Supremo Tribunal Federal que já determinou a necessidade de um projeto de lei que regulamente essa questão. Também estamos prevendo a participação da sociedade na formação de um conselho para revisar o indeferimento de certificações. A idéia é que as entidades recebam as certificações a partir de análises iniciais de ministérios ligados às suas áreas – Educação, Saúde e Desenvolvimento Social. As instituições indeferidas serão levadas a esse conselho, que terá uma formação paritária entre representantes do governo e da sociedade. Será uma segunda instância.

Mas hoje já não existe participação da sociedade no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS)?

Hoje o CNAS é realmente paritário entre governo e sociedade civil, só que é em primeira instância. Qualquer recurso de certificação indeferida vai diretamente para o ministro da Previdência Social. É estranho porque o CNAS faz parte do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e não do Ministério da Previdência Social. Nós mesmos já reclamamos disso, mas o governo nunca aceitou os protestos.

O senhor acredita que as suas sugestões serão acatadas?

Isso é um problema sempre, sem apoio do governo nada passa no Congresso. Trata-se de uma proposta compartilhada com a sociedade. Eu já disse para o governo: vamos pensar em uma maneira de resolver um desafio para o Brasil. Concordamos em separar o joio do trigo e, ao mesmo tempo, precisamos estar de acordo com os anseios da base governista. Não é uma questão de rezar contra o governo ou a favor do governo. Vamos rezar pela cartilha do que o Brasil precisa. O que não dá é para continuar do jeito que está. Temos encontrado apoio entre membros do governo, entre os líderes dos partidos. O relatório vai estar de acordo com o que as entidades sérias pensam do assunto.

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O senhor prevê uma votação ainda neste ano?

A expectativa é de votação ainda nesta semana, possivelmente na terça-feira. O presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), já disse que pretende convocar uma sessão conjunta das duas comissões (Assuntos Sociais e Assuntos Econômicos) em que o projeto está. A matéria é terminativa, ou seja, segue depois direto para a Câmara, sem passar pelo plenário. Na Câmara, ela deve se juntar a outro projeto de lei, de autoria do governo (PL 3021/08).

Como foi o processo de escolha do senhor como relator?

Fiz questão de ser relator, fui atrás de todas lideranças para ficar com essa tarefa. Agi assim porque o quadro é de absoluto desânimo em relação ao terceiro setor. Precisamos de uma lei que atenda às necessidades dessa área. O governo não queria que eu fosse o relator, queria aprovar o projeto de roldão. Como existe toda aquela confusão sobre a medida provisória que não foi aceita pelo Garibaldi, eles planejam uma solução rápida. E eu fiz o relatório rapidamente, em uma semana.

O relatório pode ser derrubado?

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Não há motivo, mas o próprio governo criou uma situação complicada e agora quer uma solução ligeira. Jamais um assunto dessa natureza deveria chegar ao Congresso em formato de medida provisória. Acho que o Garibaldi agiu corretamente quando devolveu a MP, promoveu um debate necessário. Mas isso ficou para trás, temos de nos voltar para o que é realmente importante. É hora de transformar a confusão em oportunidade. É a chance de pôr ordem no terceiro setor.