O Estado, para bem cumprir as obrigações impostas pela Constituição e pela lei, por vezes tem a necessidade de contratar bens, serviços e obras com particulares. O instrumento para formalizar essa relação jurídica é o contrato administrativo. A escolha da pessoa, física ou jurídica, que vai ser contratada se dá, na forma do artigo 37, XXI da Constituição, mediante processo de licitação. E o volume de dinheiro público envolvido torna as licitações um alvo preferencial para os corruptos. Para que se tenha ideia, de janeiro a dezembro de 2009, apenas no âmbito da União foram gastos em torno de R$ 49 bilhões em compras. Excluídas desse número as contratações de obras e de serviços. A análise dos efeitos da corrupção nas contratações públicas demanda primeiramente estabelecer que o seu sentido (da corrupção) deve ser o mais amplo, ultrapassando o conceito do tipo penal específico para incluir a concussão e os atos de improbidade administrativa: lesão ao erário e enriquecimento ilícito. A ideia de corrupção deve incluir também as condutas dos particulares que de alguma forma produzam vantagem ilegal ou indevida em relação ao Estado. A corrupção nas licitações pode ser analisada a partir das condutas ilegais que envolvam a participação de agentes públicos e as condutas ilegais que são praticadas exclusivamente por particulares, sem que haja a participação de servidores. No primeiro caso se pode indicar o direcionamento da licitação, pela inclusão no edital de requisitos de habilitação ou de qualidade do objeto que somente uma das empresas pode atender; o direcionamento do julgamento da licitação relevando falhas ou eliminando concorrentes da empresa que se quer favorecer; ou a solicitação ou recebimento de propinas para produzir qualquer situação de vantagem para uma determinada empresa. Com relação ao segundo grupo, o dos atos de corrupção praticados exclusivamente por empresas licitantes, são os mais comuns: (i) a supressão de propostas, situação na qual as empresas ou se abstém de apresentar proposta na licitação, ou retiram propostas apresentadas para favorecer uma delas, mediante recebimento de vantagem pecuniária; (ii) as propostas de cobertura ou fictícias quando as empresas combinam que um ou mais concorrentes apresentarão proposta de preço mais elevado do que aquela que vai ser a vencedora efetiva (competição simulada); (iii) o rodízio de propostas, situação na qual as empresas combinam alternar as propostas que serão vencedoras em cada licitação uma das empresas vence, eliminando a competição; (iv) o loteamento do mercado situação na qual as empresas antecipadamente dividem o mercado de licitações, não concorrendo em determinadas regiões ou em relação a determinados órgãos públicos. Os conluios entre empresas e a formação de cartel são um dos atos de corrupção mais danosos ao interesse público em relação às contratações públicas. As licitações são um alvo preferencial dos corruptos, mas não necessariamente precisam ser uma presa fácil. Diversos instrumentos e condutas públicas podem e devem ser observados para reduzir ou impedir a prática do conluio e de formação de cartel, possibilitando a ampla competição republicana que possibilitará a obtenção concreta da proposta mais vantajosa, nos termos da Constituição. A primeira conduta inafastável é a punição efetiva e exemplar dos corruptos. A aplicação das sanções que a lei estabelece, tanto no âmbito das penas administrativas como multas, suspensão do direito de contratar por até cinco anos (no caso do pregão) ou declaração de inidoneidade, como no âmbito das sanções penais crimes em licitação, contra a Administração Pública, e as sanções para a formação de cartel. Outro fator importante é a capacitação plena dos servidores que atuam nas licitações para a identificação de atos de conluio e de formação de cartel. Alguns são bastante evidentes e recorrentes, como: propostas apresentadas que possuem redação semelhante ou os mesmos erros e rasuras; fornecedores desistem, inesperadamente, de participar da licitação; padrão de rodízio entre os vencedores das licitações; margem de preço estranha e pouco lógica entre a proposta vencedora e as outras propostas, entre tantos outros. Muito se alardeia sobre os atos de corrupção praticados por servidores públicos. Deve-se começar a alardear com igual ênfase contra os atos de corrupção praticados por empresas nas licitações. Um ato de corrupção é um ato que viola o código de honra que mantém a sociedade. A ideia de um contrato social pressupõe que os recursos públicos amealhados e postos nas mãos do Estado servirão apenas a propósitos públicos encartados na Constituição. E não para atender interesses privados por intermédio do conluio e do cartel.
José Anacleto Abduch Santos, advogado, é procurador do Estado, mestre e doutorando em Direito Administrativo pela UFPR, professor do UniCuritiba.