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A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de transformar em réus importantes integrantes do PT - José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e Sílvio Pereira - marca profundamente o partido que chegou ao poder em 2003 com o discurso da ética na política. A questão agora é saber se a abertura de processo contra os acusados de envolvimento com o mensalão vai levar o partido a uma autocrítica e a mudanças na forma de fazer política. A resposta pode começar a ser dada neste fim de semana, quando o partido faz seu terceiro Congresso Nacional, em São Paulo.

Para o sociólogo Chico de Oliveira, que se desiludiu com a legenda já nos primeiros meses de poder, o partido ao qual já devotou fidelidade não soube fazer a transição de partido de oposição para o governo, "como a maior parte dos partidos de esquerda do mundo".

- O PT me desgosta profundamente. Era previsível que acabasse desse jeito. Essa degeneração era prevísível. Não sabia que ia dar nisso, mas tinha certeza que aconteceria algo. O PT é hoje um partido fincado na realidade brasileira. A aura de transformação não vai ocorrer nunca mais - lamenta Chico de Oliveira.

Degeneração

A palavra degeneração também é usada por outro ex-petista, o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ). Apesar de tanto relutar em deixar o PT em 2005, o que só ocorreu após a derrota de seu candidato, Plínio de Arruda Sampaio, para Ricardo Berzoini, do Campo Majoritário, nas eleições diretas do PT, ele acha que tomou a decisão acertada:

- Os principais dirigentes do PT, à exceção do Lula, viraram réus. É a degeneração cumulativa do partido. Isso não acaba com o PT, mas faz desaparecer de vez a idéia da transformação social. Ele se peemedebizou. Continua sendo um partido com uma poderosa máquina, mas a mística mudancista, a militância idealista e as alianças criteriosas, isso não existe mais - diagnostica.

Decisão do STF é relevante

O senador Eduardo Suplicy (PT-SP), contumaz pedra no sapato do PT e do governo, admitiu que a decisão do STF de aceitar a denúncia contra a antiga e poderosa cúpula petista é algo "muito difícil" para o partido. Segundo ele, a transformação de vários petistas em réus será um dado "obviamente relevante" para o congresso, apesar de não necessariamente enfraquecer o grupo político do ex-ministro José Dirceu.

- O que acontece é que todos nós precisamos entrar mais conscientes que, quando assumimos posições de responsabilidade no governo e no parlamento, precisamos estar cientes de que nossos atos são analisados por lentes muito fortes e que precisamos estar atentos - alfineta.

Alguns governistas não admitem que a discussão dos acusados do mensalão entre na pauta do congresso do PT, entre eles o secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci:

- É compreensível que a oposição queira impor a sua pauta ao PT, mas é comprensível também, e desejável, que o PT discuta os problemas que interessam à maioria da população, que são condições de vida, inclusão social, geração de emprego. Estes são os problemas que interessam à população - afirmou na última quarta-feira.

O deputado federal José Eduardo Cardoso (PT-SP), porém, discorda de Dulci e pretende ver o assunto colocado em pauta no encontro deste fim de semana. Faz apenas um alerta: As teses devem ser discutidas, mas sem individualizar o tema:

- Acho que a decisão do Supremo não chega ao governo, mas atinge o partido, sim, não posso tapar o sol com a peneira. Temos que aproveitar para refletir sobre o episódio, pensar no futuro. A ética sempre foi a principal bandeira do PT. Espero que o congresso seja o ponto de partida da discussão ética. Vamos propor a criação de uma corregoria interna e de um código de ética - propõe.

Já o presidente do partido, Ricardo Berzoini, prefere defender seus colegas que responderão a processo por formação de quadrilha e corrupção ativa:

- Conhecendo a história das pessoas como eu conheço, não tenho razão para não acreditar nelas. O PT sempre lutou muito para viabilizar seu crescimento e sempre apanhou, mas o PT é igual a massa de pão, quanto mais bate, mais ele cresce - afirmou na última quarta-feira.

"A velha cultura política comeu o PT"

O PT, hoje, é um partido que profissionalizou-se e burocratizou-se, na opinião de Chico de Oliveira:

- A velha cultura política comeu o PT, que aceitou fazer parte do capitalismo selvagem. O governo brasileiro tem mais de 20 mil cargos de confiança para preencher. Nos Estados Unidos, o Bush não indica mais de 300 pessoas. Em todos os países desenvolvidos é assim. O governo, no Brasil, é um poderoso aliciente para prática de negociação de cargos. Aqui, só existe o partido do governo, os outros são apenas satélites, não têm qualquer importância - analisa o sociólogo, citando como exemplo o PMDB, que está presente nos municípios, mas não consegue eleger o presidente da República. Em contrapartida, "está sempre no governo".

Apesar de o presidente Lula ter sido poupado no inquérito do mensalão, uma pergunta que muitos se fazem é até que ponto ele realmente não sabia de nada. Para Chico Alencar, o presidente é, no mínimo, cúmplice da "quadrilha" do mensalão, como adjetivou o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza.

- Se fosse um processo amplo e profundo, ele poderia ter virado réu. Afinal de contas, o capitão do time (Dirceu) e o presidente do partido (Genoino) estão envolvidos. Lula é cúmplice disso também. Eu diria que ele praticou corrupção ideológica passiva, crime não-tipificado, mas grave do mesmo jeito. Agora também ficamos sabemos que ele é socrático: 'só sei que nada sei' - ironiza.

Uma das mais tradicionais figuras de proa do velho PT, o filósofo Leandro Konder preferiu não entrar em detalhes sobre a crise moral que se abate sobre a legenda, mas se mostra pessimista sobre a reestruturação do partido:

- O PT perdeu boa parte da esquerda. Tenho amigos lá e tenho pena deles. Não acredito que mude, estou pessimista. A expulsão da Heloísa (a ex-senadora Heloísa Helena) foi a gota d´água para mim - afirmou, admitindo estar constrangido.

Após a expulsão de Heloísa Helena e outros parlamentares, em 2003, começou a ser gestado o PSOL, Com a ajuda de Konder. A nova legenda procura herdar os mesmos propósitos éticos que fizeram do PT um diferencial na política brasileira.

- O julgamento do STF foi a legitimação jurídica à construção do PSOL. Se não houvesse razões sociais, políticas e éticas de sair do PT e construir nova alternativa, temos agora a chancela do Supremo. Aliás, se não fosse o PSOL não tinha processo contra o Renan - completa Chico Alencar.

Eleições municipais não devem ser influenciadas pelo julgamento no STF

Após discutir suas teses durante o Congresso Nacional, o PT começa a articular as alianças para as eleições municipais do ano que vem. O presidente Lula já pediu aos partidos aliados um entendimento que permita o lançamento de candidaturas unificadas da base de apoio ao governo. O cientista político Otaciano Nogueira, da Universidade de Brasília (UnB) não acredita que o episódio do mensalão respingue nas pretensões governistas nas eleições municipais que se avizinham:

- Não acho que o PT vá perder votos em 2008 porque até lá o Supremo não terá votado o caso. Além disso, as eleições serão municipais. Se tiver alguma influência, será apenas nas capitais - acredita.

Ricardo Ismael, da PUC do Rio, acredita que a aceitação da denúncia pelo STF pode enfraquecer o grupo de José Dirceu dentro do partido, fazendo com que forças políticas mais à esquerda possam ganhar força e pleitear mais espaço nas decisões do partido.

Otaciano vai além e projeta o PT ao seu grande desafio dos próximos anos, a sucessão de Lula. Apesar de admitir que o presidente "continua blindado para os próximos anos de governo", o professor da UnB diz que o resultado definitivo do julgamento poderá influenciar na sucessão:

- O julgamento do Supremo poderá ser o divisor de águas para as eleições de 2010, um fiel da balança. Caso não se comprovem as denúncias, o PT sairá fortalecido. Mas, se os mensaleiros forem condenados, a oposição ganhará uma bandeira e se posicionárá como alternativa. Eles argumentarão que estiveram no governo e não utilizaram os métodos criminosos do mensalão - afirma.

Chico de Oliveira admite o cacife eleitoral de Lula, mas não acredita numa vitória eleitoral de um aliado do presidente em 2010:

- Lula já era. Vai continuar sendo um político importante, vai ter uma reserva eleitoral, um capital eleitoral formidável, principalmente dos setores mais populares. Aos poucos, vai perder apoio da classe média. Ninguém no Brasil até hoje foi capaz de transferir votos. Nem o Juscelino conseguiu fazer o sucessor, o Marechal Lott. O Dutra não fez o sucessor, e o Jânio nem tentou fazer. Durante o regime militar as eleições foram nos quartéis, e o Fernando Henrique só foi eleito por causa do Plano Real - decreta.

Numa doída declaração de amor ao seu antigo partido, Chico Alencar lamenta o rumo que as coisas tomaram:

- Toda a alegria da eleição de 2002 foi jogada fora. Não me vejo mais no PT. Não tinha mais resgate lá. É como um grande amor na vida. Aquilo marcou. Foram os anos mais generosos da minha vida nisso. Hoje, é um retrato na parede. Me machucou por um tempo, mas passou. Não dói mais não.

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