Curitiba Ser mulher de presidente da República tem suas vantagens. Que o diga Dona Darcy, esposa do ex-presidente Getúlio Vargas. Diz a lenda que um dia ela teria voltado da igreja com a idéia fixa de convencer o marido a acabar com os famosos cassinos do Rio de Janeiro, chamados por ela de "antros da perversão". Coincidência ou não, naquele ano de 1941, Vargas promulgou o decreto-lei que colocou os cassinos na ilegalidade.
No ano seguinte, o Congresso conseguiu aprovar uma lei que abria uma exceção, permitindo a exploração dos jogos de azar nas "estâncias hidroterápicas balneárias e climáticas". Somente, em 1946, também dizem sob influência da esposa, Dona Santinha, o então presidente Eurico Gaspar Dutra promulgou um decreto-lei que proibia o jogo em todo o país, num "pacote" de leis que, entre outras medidas, colocou o Partido Comunista na ilegalidade.
Desde então, de tempos em tempos, a polêmica sobre a legalização retorna à pauta nacional. Nos últimos anos, 18 projetos de lei sobre o tema foram propostos na Câmara dos Deputados, mas todos acabaram arquivados. Com esse histórico, há pouca chance de uma iniciativa nesta área entusiasmar os parlamentares. Mesmo assim, os defensores da jogatina não desistem. "Os projetos sempre foram muito mal elaborados", diz o empresário Ciro Batelli, ex-presidente da rede Ceasars de hotéis e cassinos e presidente do Comitê Nacional Pró-Legalização do Jogo no Brasil. "Quem fez a lei do bingo, fez muito malfeita, nunca jogou bingo, não sabia o que estava fazendo", diz Batelli, que esteve em Curitiba no início do mês participando de um seminário sobre turismo.
O empresário defende a inclusão do Brasil em um mercado que, segundo ele, movimenta US$ 400 bilhões no mundo, gerando empregos e impostos. "O cassino é um complexo de atividades que utiliza de 80 a 85 funções-profissões", explica. "Não é como a Caixa que tem meia dúzia de burocratas registrando tudo e acabou", diz, referindo-se ao fato de a Caixa Econômica Federal dispor do monopólio de loterias atividade que arrecada cerca de R$ 3,5 bilhões por ano para os cofres do governo. "No Brasil, parece que o jogo patrocinado pelo governo é o pai de todas as virtudes, e o cassino é a madrasta de todos os vícios."
Para ele, o governo deveria aproveitar o potencial fiscal da atividade dos cassinos, a exemplo do que faz o estado de Nevada, nos Estados Unidos, que tributa em 31% de Imposto de Renda na fonte os ganhos em cassino. "Las Vegas faturou no ano passado US$ 9,6 bilhões, dos quais 62% foram de máquinas, todas elas aferidas e fiscalizadas", argumenta. "Eu cito os Estados Unidos porque Las Vegas é o Vaticano, o resto é paróquia."
O argumento de que o jogo contribui para o aumento da arrecadação fiscal é questionado pelo deputado federal Francisco Dornelles (PP-SP), doutor em Direito Financeiro pela UFRJ, em Finanças Públicas pela Universidade de Nancy (França) e em Tributação Internacional pela Universidade de Harvard (EUA). "A razão é muito simples: os impostos que o Estado recolhe dos cassinos vêm das pessoas que renunciaram a gastar em seu consumo, ou deixaram de investir. Sendo assim, o que o Estado recebe dos cassinos é dinheiro que deixa de arrecadar a título de imposto sobre o consumo ou sobre a renda do jogador", disserta.
Este argumento apresentado por Dornelles, que se refere ao chamado "efeito de subtituição", é questionado pelo professor do curso de Turismo do Centro Universitário Positivo (UnicenP) Dario Paixão, que tem mestrado sobre o tema pela Universidade de Las Palmas (Espanha). Segundo ele, o tamanho da economia não é fixo, mas se expande sobre o tempo com novos empregos criados. Na visão do professor, para que uma indústria cresça, deve-se produzir os bens e serviços que os consumidores preferem.
Apesar das vantagens econômicas, o procurador da República Vladimir Aras, integrante da Força-Tarefa CC-5, que investiga o Caso Banestado, explica que a abertura de cassinos facilita enormemente a lavagem de dinheiro, tendo em vista a quantidade de dinheiro em espécie que transita por esses estabelecimentos. Segundo o procurador, basta combinar com o dono do cassino para uma pessoa "ganhar" qualquer quantidade de dinheiro, sejam em máquinas ou em mesas de jogo. "Isso sem falar em subculturas que ficam gravitando em torno do cassino como prostituição e tráfico de drogas", diz. "Então, embora gerem muitos empregos é notório que nos países que permitem os cassinos como um exemplo próximo o Paraguai , eles têm servido tanto para finalidades construtivas, quanto para facilitar práticas de lavagem de dinheiro."
Argumentos
Argumentos a favor
* Econômicos
Aumento de atividades ligadas ao turismo, considerando que o turista que vai a cassinos se hospeda em hotéis, come em restaurantes, vai a shows, faz compras etc.
Os empresários não querem a abertura indiscriminada de mesas de jogos, mas defendem os hotéis-cassino como um conceito amplo de entretenimento.
* De saúde
Os defensores dos jogos aceitam o argumento de que haveria um aumento de jogadores compulsivos ou patológicos, mas acham que este número seria pequeno e que os problemas poderiam ser solucionados com a implementação de um bom serviço público de acompanhamento médico.
* Fiscalização
Os empresários defendem uma fiscalização criteriosa em relação os cassinos, a exemplo do que ocorre nos EUA, onde os principais investidores no setor são bancos e grandes fundos de pensão, com um órgão de controle que tenha a participação da sociedade.
Argumentos contra
* Econômicos
Alguns economistas argumentam que o dinheiro que se gasta em jogo é um excedente do orçamento familiar que, se não fosse usado em apostas, seria gasto em outras atividades, gerando também impostos.
* De saúde
Estudos mostram que cerca de 1% a 4% da população local pode vir a desenvolver problemas relacionados ao vício no jogo. O argumento é de que os recursos captados por impostos do jogo seriam perdidos em gastos em saúde pública.
* Fiscalização
Autoridades consideram que existe uma íntima relação dos cassinos com a possibilidade de lavagem de dinheiro, devido à possibilidade teórica infinita de ganho em máquinas e em mesas de jogo. Além disso, citam a proximidade de cassinos com atividades de prostituição e de tráfico de drogas.
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