A juíza substituta da 10.ª Vara Federal, Célia Regina Ody Bernardes, de 41 anos, que autorizou a Polícia Federal a fazer busca e apreensão de documentos na sede das empresas de um dos filhos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e mudou o curso da Operação Zelotes, está há apenas quatro anos na magistratura, mas já tem no currículo uma série de decisões consideradas arrojadas. Na curta carreira, ela contrariou interesses de grandes empresas em conflitos contra índios e sem-terra e, mais recentemente, proibiu procuradores da República de usar dinheiro público para comprar passagens de classe executiva em viagens internacionais.
Mestre em Filosofia, Célia Regina começou a atuar como juíza em Cuiabá em 2011. Em 2013, foi transferida para Brasília, onde passou a oficiar na 21.ª Vara Federal. Em setembro, ela foi chamada para reforçar a 10.ª Vara Federal, assumiu as rédeas da Zelotes e, desde então, mudou o curso da segunda maior investigação criminal do país num momento em que seu andamento parecia condenado ao fracasso. Numa linha de atuação diferente do juiz anterior, Célia Regina determinou as primeiras prisões de advogados e lobistas acusados de manipular decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e comprar benesses em medidas provisórias para montadoras de carros.
No mesmo despacho, a juíza atendeu a um pedido de dois procuradores da República e autorizou busca e apreensão na sede da LFT Marketing Esportivo e de mais duas outras empresas de Luis Claudio Lula da Silva, um filhos de Lula. A medida causou forte reação nos meios políticos. Ativistas políticos passaram a associar a decisão da juiz a um de seus irmãos, Napoleão Bernardes, prefeito pelo PSDB de Blumenau. Mas o rótulo de conservadora dificilmente colará na juíza. Célia Regina é ligada à associação Juízes para a Democracia, movimento de juízes mais afinados com ideias humanistas.
Simples e direta no trato pessoal, Célia Regina não se deixou envolver pela repentina fama adquirida a partir da busca e apreensão no escritório das empresas de um dos filhos do ex-presidente Lula. Na semana passada, O GLOBO perguntou o que, com base na experiência dela, seria necessário para tornar eficaz o combate à corrupção no país. Ela preferiu não dar receita: “pelo curto período de tempo em que atuo em vara criminal, não tenho a experiência de outros processos”.
A chegada de Célia Regina à 10.ª Vara Federal foi festejada por alguns procuradores e delegados. Há algum tempo alguns deles vinham pedindo “padrão Sérgio Moro” de decisão judicial em Brasília, numa referência ao juiz que está à frente da Lava Jato em Curitiba. Mas, mesmo com as boas-vindas dos investigadores, não é certo que a juíza permanecerá no caso até o final das investigações. Na segunda-feira, o juiz titular da 10.ª Vara, Vallisney de Souza Oliveira, retorna ao cargo depois de passar um ano como juiz auxiliar no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ela deve, então, assumir a vaga do primeiro juiz substituto Ricardo Leite, que entrará em férias.
Quando Leite voltar ao trabalho, haverá um novo arranjo, e, a partir daí, não se sabe se a juíza continuará ou não à frente da Zelotes. “Enquanto permanecer inalterado o ato do presidente do TRF1 que me designou, eu sou a única juíza com atribuição para os procedimentos judicializados da Operação Zelotes. Digo procedimentos, e não processos, pois ainda não foi oferecida nenhuma denúncia por parte do MPF”, explicou Célia Regina em nota semana passada.
Célia Regina se graduou em Direito e fez mestrado em Filosofia na Universidade Federal de Pernambuco com uma tese sobre preconceito racial. A tese originou o livro “Racismo de Estado: uma reflexão a partir da crítica da razão governamental de Michel Foucault” (Juruá Editora, 2013). Após ingressar na magistratura, Célia rejeitou pedido de reintegração de posse de um consórcio de empresas contra os índios Enawenê-Nawe na bacia do Alto Juruena. Também suspendeu o licenciamento da usina hidrelétrica de Teles Pires, obra do PAC, até consulta prévia aos indígenas que seriam atingidos pela obra.
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