O deputado Rubens Bueno (PPS), escolhido para ser o vice na chapa de Luciano Ducci, foi escalado para cumprir a missão que os marqueteiros da campanha de reeleição do prefeito consideram chave para levar ao naufrágio a candidatura de Gustavo Fruet, seu principal adversário. A ideia é explorar à exaustão o mote da coerência, qualidade que, segundo eles, Fruet perdeu ao se aliar ao PT, partido que combateu quando deputado federal do PSDB.
De fato, o argumento é muito bom e seria melhor ainda se pudesse ser aplicado exclusivamente a Fruet. Entretanto, é aplicável a praticamente todos os políticos brasileiros da atualidade. O que inclui o autor da seguinte frase: "Me sinto realizado por essa união e pela coerência que sempre marcou a nossa caminhada na vida pública. Jamais vamos violentar a nossa consciência para vencer uma eleição a qualquer custo. A nossa alma não está à venda e não compramos a alma de ninguém para vencer uma eleição."
A frase é do governador Beto Richa e foi pronunciada durante ato realizado na última quinta-feira quando do anúncio oficial de Rubens Bueno como vice de Ducci num salão do hotel Bourbon em que se destacava a faixa com a palavra coerência em letras garrafais.
Trata-se de uma afirmação que a psicologia social poderia enquadrar no conceito de "dissonância cognitiva". Em tradução livre, essa teoria é descrita como a "capacidade do ser humano de contrariar a lógica, negar evidências, criar falsas memórias, distorcer percepções, ignorar fatos e até mesmo desencadear uma perda de contato com a realidade". A contradição entre o que se fala e o que se faz também é sintoma do mal da dissonância cognitiva.
Agora, combine tal conceito com os inúmeros sinônimos da palavra coerência, tais como harmonia, nexo, concordância, afinidade... Entre os sinônimos de coerência não cabe a palavra contradição.
Fica?
Examinado o prontuário político do governador, constata-se que sua coerência partidária variou conforme as circunstâncias: foi suplente de vereador de Curitiba pelo PSDB em 1992; deputado estadual duas vezes, a primeira pelo PSDB (1994) e a segunda pelo PTB (1998); depois, filiado ao PFL, foi vice de Cassio Taniguchi em 2000. Rompeu com Cassio em meio a acusações de improbidade, voltou para o PSDB e foi eleito duas vezes prefeito (2004 e 2008). Antes da segunda eleição, assinou em cartório o compromisso de ficar na prefeitura pelos quatro anos seguintes. Incoerentemente, 14 meses depois abandonou o cargo para concorrer ao governo em 2010.
Ganhou a eleição de governador fazendo oposição ao antecessor Roberto Requião, do PMDB, fato que não o impediu de firmar acordos com uma ala do mesmo PMDB garantido-lhe uma vaga no secretariado. No caso, para o deputado Luiz Cláudio Romanelli, até então líder de Requião na Assembleia. O acordo com o DEM (o seu ex-PFL) também teve um preço: a nomeação do antigo desafeto Cassio Taniguchi, recém-saído da equipe do cassado governador do Distrito Federal, o demo José Roberto Arruda.
As contradições de Richa não servem, lógico, para tornar justificável a incoerência de Gustavo Fruet, o alvo da campanha da "coerência" da qual foi encarregado Rubens Bueno. Não justificam, mas explicam um bocado: Fruet era do PSDB, partido de Richa e candidato natural da sigla à prefeitura em 2012, mas o governador fez o necessário para afastá-lo da legenda com o objetivo de apoiar Luciano Ducci, do PSB, partido aliado do PT no plano federal. Outra incoerência.
Os exemplos dessa espécie na política nacional já não surpreendem tanto salvo pela fotografia do abraço de Lula com Maluf, que escandalizou o Brasil dia desses. Lula buscou o apoio do PP malufista para o candidato petista à prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad. No Paraná, Richa sepultou a candidatura tucana em Londrina para apoiar o candidato Marcelo Belinati, do PP malufista.
Enfim, neste país de partidos sem programas ou ideologias, em que o proveito político e pessoal está acima de qualquer outro princípio, acaba prevalecendo o vale-tudo. E, então, o discurso da incoerência é como remédio barato genérico.
Memória
Em outubro de 2011, o deputado Rubens Bueno condenava a incoerência de Beto Richa o que, sem dúvida, lhe dá autoridade para desenvolver o tema na campanha. Dizia ele: "Passamos o tempo criticando o governo do PMDB, ganhamos a eleição em cima dessas críticas e depois sem mais e nem menos trouxeram eles para dentro do governo. Essa é uma forma de fazer política que não aceitamos, não tem ideologia nenhuma e não contribui em nada. A presença do PMDB no governo nivela a discussão por baixo".
Em março de 2011, quando Fruet já cogitava sair do PSDB, Bueno queria atraí-lo para o PPS dando-lhe a legenda para ser candidato a prefeito. "Se ele vier terá todas as garantias que precisa. Nós não oferecemos meio apoio a ninguém. E ninguém vai fazer molecagem para não deixá-lo ser candidato", disse Rubens Bueno.
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