| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

Professor da Uni­ver­sidade de Bar­celona, o espanhol Joaquin Brugé é uma autoridade em administração pública deliberativa. O conceito ainda é pouco conhecido do público em geral. Mas expressa uma das demandas políticas que mais cresce nas democracias contemporâneas: a criação, pelo poder público, de mecanismos para que os cidadãos e os diferentes níveis de governo se reúnam para discutir seus problemas e para propor possíveis soluções (a deliberação). Mas ele alerta: a deliberação não implica que os governos tenham de fazer tudo o que todos querem. Isso, para o professor, é um erro. É acreditar na ideia equivocada de que o cidadão é um cliente do Estado, que sempre tem razão. Brugé treinou funcionários da prefeitura de Curitiba sobre a administração deliberativa no início do mês, quando falou com a Gazeta do Povo.

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Como o sr. conceitua a admi­nistração pública deliberativa?

É uma administração pública que entenda que os problemas dos cidadãos são muito complexos, com muitas dimensões. Quando uma pessoa tem um problema, ele não é só econômico, mas social, laboral, ambiental. Portanto, para dar respostas adequadas, a administração tem que relacionar todos esses aspectos, tem de colocá-los em conversação. A deliberação seria simplesmente dar uma resposta ao cidadão fazendo com que as diferentes dimensões do problema atuem em conjunto.

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E como efetivar essa administração pública deliberativa? Qual é a forma de ação?

Essa é a dificuldade: passar para a prática. Sobretudo porque tradicionalmente as administrações, no Brasil e em todo o mundo, mais que buscar a interação, buscam a especialização. É um costume cada um trabalhar em seu hábitat. Temos que aprender a trabalhar com os demais, a fazer juntos o que antes fazíamos separados.

O trabalho em conjunto deve ser entre os diversos órgãos ou entre as várias esferas de governo?

É entre todos. O trabalho precisa ser transversal dentro da organização, entre diferentes departamentos. Mas também inclui diferentes níveis de governo. Toda a lógica deve ser mais vinculada à participação dos cidadãos. Para abordar um problema ambiental, por exemplo, é preciso trabalhar com os diferentes departamentos da municipalidade, mas também os diferentes níveis de governo, associações de moradores, entre outros.

Temos a questão de diferenças ideológicas e de grupos políticos nos três diferentes níveis de governo. Como ultrapassá-las?

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A ideia é aprender a trabalhar juntos, mesmo sendo diferentes. Essa é a maior dificuldade: trabalhar juntos não significa que todos precisamos pensar igual; ou que temos de ter as mesmas prioridades políticas. Mas, simplesmente, temos de entender as posições dos outros, inclusive as discrepâncias, assumindo que temos que buscar os pontos de comprometimento e os pontos em comum. É claro que isso é mais fácil de falar do que de pôr em prática, porque a lógica política coloca uns contra os outros. Por isso, a administração deliberativa requer tempo para ser construída.

Na proximidade com as eleições, os serviços públicos, em geral, funcionam em "marcha lenta". Como a administração deliberativa pode atuar nesse sentido?

Falamos sobre mudança na mentalidade da administração e também precisamos mudar um pouco a mentalidade dos políticos. Se, para eles, a política é só ganhar eleições e satisfazer a determinadas clientelas para que votem nele na próxima eleição, seguramente, não vamos conseguir grande coisa ou uma administração mais eficiente. Temos que ir avançando e mudar a mentalidade não só dos técnicos da administração pública, mas também da própria política. Não é ganhar uma eleição. É um projeto de sociedade. Há também de se mudar a mentalidade dos cidadãos. Muitas vezes os políticos atuam como atuam porque o cidadão se coloca para o político como um cliente, que só vota se o político lhe dá algo. Por isso precisamos mudar a mentalidade da administração, do político e dos cidadãos. É um processo no qual tempo é uma variável importante.

Como a administração pú­blica pode atuar nessa mudança de padrão cultural?

É muito importante que a administração pública se dirija ao cidadão e não ao cliente. E nesse sentido, temos de evitar uma frase que tem tido muito êxito nos últimos anos, que é: "O cliente tem sempre razão". Isso vale para as relações comerciais, mas não para a relação entre o cidadão e a administração pública. Isso exige valentia por parte dos políticos. Nem sempre a administração está lá para responder a todas as demandas ou para satisfazer a todas as vontades. Na política não é assim. Até porque é impossível dar razão a todo mundo. Se o governo diz aos agricultores ou aos industriais que eles sempre têm razão, isso nos leva a uma situação sem saída. Você não pode fazer a política que maximize a satisfação simultânea de todos os atores diferentes. A política é equilíbrio de interesses. Portanto, a administração pública deve explicar aos cidadãos que a missão não é que estejam todos felizes, mas precisa gerir as frustrações de uns e de outros.

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Isso exige que o administrador tome algumas decisões. Ele precisa decidir, equilibrando a deliberação e a decisão?

A administração é um exercício de autoridade. Auto­ridade se ganha depois de ter sido transparente, de ter escutado as pessoas, de ter deliberado. Aí, efetivamente, esse processo vai culminar num exercício de autoridade. Porque a política existe porque há um conflito de interesses, que é legítimo. Isso é normal: um ecologista não quer o mesmo que um agricultor ou um industrial. E como não vão estar de acordo, a política vem para fazer esse papel.

Como ela pode funcionar, na prática?

Primeiro temos de ter claro que o objetivo é a aprovação de uma política pública concreta. A partir disso, passamos por três etapas em um processo deliberativo. Uma primeira é informar. Se eu quero falar com os cidadãos e os diferentes atores sobre como vai ser uma determinada política pública, tenho que explicar do que estamos falando. Quando a administração pública lança um processo deliberativo, tem que explicar ao cidadão que nem tudo é possível. Que há limites econômicos, administrativos e políticos. Se, na Espanha, você for fazer um debate sobre imigração, tem gente que vai defender algum posicionamento extremo. O primeiro passo é explicar que essa opção não faz parte do debate. A segunda fase é escutar e organizar debates. É a fase de propiciar espaços, mecanismos, de debate. E em terceiro lugar, uma vez que escutou o cidadão, é preciso responder. Depois de um debate, se o cidadão faz uma sugestão, a administração vai responder: "Não vou fazer tal coisa, por tais razões". Nessa última fase, é que acontece o exercício de autoridade. O processo acaba na aprovação de um plano de gestão que foi construído de forma deliberativa, mas que depende desse processo final de tomada de decisão.