Histórico
Muita gente, pouca estrutura
A região metropolitana de Curitiba (RMC) foi criada em 1973, momento que coincide com mudanças profundas no sistema agrícola e industrial do Paraná. Levas de migrantes mudaram para a capital e seu entorno, onde não havia estrutura nem políticas públicas adequadas para absorver o crescimento populacional que ainda hoje chega a 8% ao ano. Em paralelo, diversos municípios distantes foram agregados à RMC, mesmo sem ter identidade ou relações diretas com a cidade-pólo.
O resultado da agregação de tantos municípios é um sistema desigual do ponto de vista econômico e social. Apenas três áreas Curitiba, Araucária e São José dos Pinhais respondem por 81% da renda da região. O fenômeno chamado de "crescimento sem desenvolvimento" gerou o que o presidente da Assomec, Antônio Wandescheer chama de "apartheid". A RMC representa 30% da população do estado e Curitiba 57% da população da RMC, mas não consegue estender aos vizinhos seus ganhos no campo da saúde, transporte e educação. A disparidade amparada na legislação, mas na contramão do Estatuto das Cidades gera prejuízos em escala, pois não há como um município não atingir outro por causa dos índices de violência ou baixa escolaridade, entre outros.
No período eleitoral, a integração entres os municípios da conurbação, uma das seis maiores do Brasil, é tema de primeira grandeza, mas esbarra na falta de cultura política em discutir o assunto e na dificuldade do cidadão médio em entender como poderia ser uma gestão integrada. (JCF)
Os 26 municípios que unidos compõem a região metropolitana de Curitiba estão bem separados em termos de riqueza e assistência social. A riqueza média por habitante e o acesso aos serviços de saúde são dois itens que variam de níveis excelentes a péssimos em regiões que não são mais do que 20 quilômetros distantes umas das outras.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade com o menor Produto Interno Bruto (PIB) percapita da região é Piraquara, com R$ 3.648. A cidade dista apenas 21 quilômetros da capital, que tem uma riqueza média por habitante de quase R$ 17 mil. O PIB per capita dos moradores de Piraquara também é 16 vezes menor do que o de Araucária (R$ 61,2 mil), favorecido pela presença de uma refinaria em seu território.
Saúde, por exemplo
Em toda a RMC, há 9.492 leitos hospitalares. O mínimo recomendado pelo Ministério da Saúde é de 7.807. Mas a divisão é esquizofrênica. Excetuando a capital, a região não consegue cumprir com a meta do ministério. O governo do estado não informa a situação de cada município, por considerar que eles não devem ser observados isoladamente. Mas, consultando os dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do ministério, sabe-se que nos municípios de Adrianópolis, Agudos do Sul e Campo Magro, não há nenhum leito. Isto é, não há hospitais para atender as 37 mil pessoas que moram nessas três cidades.
Mesmo em municípios com situação financeira mais folgada e altíssima integração com Curitiba, como Fazenda Rio Grande a 25 quilômetros da capital , o cobertor da saúde é curto. A reportagem da Gazeta do Povo acompanhou uma tarde no Hospital Nossa Senhora Aparecida e pôde constatar a roda-viva em que se transformou o setor na região metropolitana. Ao lado do sistema de transporte deficitário, o atendimento médico é retrato do apartheid entre a cidade grande e suas vizinhas.
Nos últimos três anos, o PIB de Fazenda aumentou três vezes. Mas não foi o bastante para curar a dependência do município em relação à capital. O Nossa Senhora Aparecida tem 40 leitos e opera com medicina de baixa complexidade. Num mundo perfeito, o município teria 30 leitos de UTI número compatível com seus 110 mil habitantes. Mas depende da Central de Leitos, administrado por Curitiba, para encaminhar pacientes graves. O sistema, segundo consta, flui bem em casos de amputação, traumas e AVCs. Mas emperra na fila da UTI. "Chega a ser desesperador", admite o diretor da instituição, o médico Guilherme Motta, 29 anos, ao relatar a morte de duas crianças à espera de UTI pediátrica.
Em companhia de sua equipe, Motta apresenta o problema visto do lado de lá de BR-116. A Central de Leitos é um instrumento legítimo, concorda o grupo, mas naufraga no modelo concentrador do sistema de saúde, cuja estrutura mora em Curitiba. Seria razoável, não fosse um senão. A região metropolitana se multiplicou, mas a divisão dos recursos continua a mesmo de três décadas atrás.
Curitiba desacelerou seu crescimento populacional, o que não acontece com as vizinhas próximas. Enquanto aqui a taxa é de 1,8% ao ano, em Fazenda, Piraquara, Colombo e outros oscila entre 5,2% e 8% ao ano. A capital hoje corresponde a pouco mais da metade de toda a gente da RMC. Mas ainda recebe 80% dos recursos da saúde. A péssima divisão do bolo poderia ser contornada com a regionalização da saúde e com uma reformulação da Central de Leitos.
A segunda opção é a mais barata, porém, esbarra num mal de raiz. Os hospitais locais estão lotados. Quando abre uma vaga na UTI, as necessidades do próprio centro médico são as primeiras a serem supridas, jogando os municípios vizinhos para o fim da fila. Curitiba tem informação privilegiada no sistema. A verba, contudo, vem para toda a RMC, não apenas para a capital. O assunto, claro, desperta paixões. É só se imaginar sendo continuamente passado para trás por um fura-filas profissional. "Como é que quando alguém diz que paga, a vaga aparece?", pergunta a administradora Adriane Jorge.
Em Fazenda Rio Grande, na última quarta-feira, a maringaense Menair Andrade, 61 anos, tentava, em vão, entender o que estava acontecendo. Seu irmão, Luís Darcy Moreira, estava há cinco dias esperando um leito de UTI. Ele tem problemas respiratórios crônicos e pneumonia. "Curitiba é tão grande, com tantos hospitais. Será que não tem um para meu irmão? É de se questionar."
O engenheiro civil Antônio Wandscheer, 58 anos, prefeito de Fazenda Rio Grande e presidente da Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Curitiba (Assomec), defende com urgência um consórcio para a saúde, a exemplo do que acontece parcialmente no setor de transportes e gestão do lixo. "Ninguém descobriu ainda uma receita para uma gestão metropolitana. Os interesses das cidades são muitos e muito diferentes. As diferenças enormes. E temos de enfrentar o egoísmo de cada gestor municipal. Sugiro começar pelo problema que nos une a saúde", propõe.
*** Confira amanhã mais informações sobre as relações de Curitiba com a RMC.
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