A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) incomodava tanto na sua luta contra os militares que o terrorismo de extrema direita a incluiu no roteiro de atentados que sacudiram o país nos anos finais do regime. No dia 19 de agosto de 1976, uma explosão destruiu o andar administrativo da entidade. Episódios como esse ajudaram a construir a imagem de que a ABI sempre foi contra à ditadura e enfrentou o regime desde o primeiro momento. Mas um estudo recém-concluído mostra um outro lado da entidade, marcado por cautela, diálogo e até afagos nos generais, entre eles o presidente da República, Costa e Silva, recebido em homenagem na sede histórica da entidade.

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A historiadora Denise Rollemberg, da Universidade Federal Fluminense (UFF), com base nas atas das reuniões ordinárias e extraordinárias da ABI de 1964 a 1974, sustenta que dentro dos próprios quadros da entidade houve diretores que colaboraram e outros que tentaram impedir o alinhamento da entidade no campo da oposição à ditadura militar. Ela aponta três momentos delicados da associação: quando o presidente da ABI em 1965, Celso Kelly, busca o apoio da entidade para assumir o posto de interventor no Sindicato dos Jornalistas do Rio; a homenagem da entidade ao general Costa e Silva em 1968; e o telegrama assinado pelo presidente da casa, Danton Jobim, em 1969, congratulando o recém-empossado presidente-general Emílio Garrastazu Médici.

"As deferências ao regime estão presentes em diversos momentos", diz Denise. Uma delas, talvez a mais polêmica, ocorreu nas comemorações do 60.º aniversário da ABI, em abril de 1968. Costa e Silva, o general-presidente que promulgaria oito meses depois o AI-5, colocando um ponto final no que ainda restara dos direitos civis, fora recebido com entusiasmo na própria ABI. A homenagem a Costa e Silva fora proposta por Danton Jobim, o mesmo que ganhou destaque na memória da resistência democrática como senador pelo MDB (1971 a 1978).

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"Danton era um homem experiente, vivido, que acreditava no seu poder de diálogo, mas que nunca se ajoelhou diante da ditadura", defende o atual presidente da ABI, Maurício Azedo. Para ele, ninguém teve uma postura única frente à ditadura porque as atitudes e comportamentos derivavam da posição da força que se enfrentava. "A ABI teve sempre uma posição clara de denúncia das agressões à liberdade de imprensa, mas sem bravata e provocações ao pode militar instituído."

Para Azedo, a ABI promovia o "diálogo do desarmado perante o poder armado". Mas o diálogo, muitas vezes, flertou com o apoio. Com o afastamento de Costa e Silva e a posse de Médici, a ABI e seu presidente saudavam o novo general-presidente com esperança e entusiasmo.

Apesar das críticas que pode receber, a historiadora da UFF diz que seu trabalho se justifica pois é preciso compreender que as forças da sociedade não atuaram exclusivamente em campos bem delimitados – a favor ou contra – e sim naquilo que o historiador francês Pierre Laborie chamou de zona cinzenta, onde não havia fronteiras entre a resistência, a colaboração e o apoio.

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