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Beto Richa tentou acessar os depósitos judiciais não tributários no ano passado, mas CNJ barrou a iniciativa | André Rodrigues/ Gazeta do Povo
Beto Richa tentou acessar os depósitos judiciais não tributários no ano passado, mas CNJ barrou a iniciativa| Foto: André Rodrigues/ Gazeta do Povo

Outro lado

Administração estadual nega que tenha sacado dinheiro de terceiros

Por meio de nota, o governo do Paraná afirmou que "não se apropriou de outros depósitos que não sejam de natureza exclusivamente tributária, nos termos autorizados pelo TJ e pela Caixa". Também alegou ter utilizado os recursos apenas nos termos autorizados por lei federal e pelo CNJ, para pagar a dívida consolidada do estado e precatórios. O texto diz ainda que o Executivo não deu qualquer outra destinação a essa verba, "muito menos para pagamento de folha de dezembro". Por fim, informou que, dos cerca de R$ 150 milhões levantados com os depósitos, repassou R$ 80 milhões ao TJ para pagar precatórios referentes a dezembro e janeiro e, com o restante, saldou compromissos da dívida do Estado. A Comissão de Precatórios da OAB-PR, porém, não tem informações oficiais do TJ de que as duas parcelas tenham sido pagas. Também em nota, a Caixa disse que efetuou os repasses dos depósitos tributários "em total conformidade" com o contrato firmado entre TJ e governo do estado e respeitando a lei. O banco alegou que o próprio contrato prevê que a Caixa realize as transferências de acordo com relação apresentada pelo Executivo e homologada pelo TJ, "ficando a Caixa isenta de qualquer responsabilidade por eventuais inconsistências". Por fim, argumentou que, caso seja detectado o repasse irregular de depósitos não tributários, notificará o governo para devolver os valores em até 48 horas. Já o CNJ afirmou apenas não ter conhecimento de irregularidades e disse aguardar ser comunicado pelas partes interessadas para "analisar as providências cabíveis". O Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre o assunto.

Depósitos tributários

Verba foi acessada antes da lei que regulamentou o assunto entrar em vigor

A regulamentação do acesso aos depósitos judiciais de natureza tributária por parte do governo do Paraná, prevista no projeto 695/13, foi aprovada pela Assembleia Legislativa em 10 de dezembro. A proposta cumpria uma exigência da Lei Federal 11.429, de 2006, que determina que os estados devem estabelecer "regras de procedimentos, inclusive orçamentários", para utilizar os recursos. A Lei Estadual 17.893 foi sancionada pelo governador Beto Richa (PSDB) em 27 de dezembro, conforme publicação em diário oficial. Sem regulamentação, porém, o Executivo foi à Caixa no dia 23 – portanto, quatro dias antes de a lei estadual entrar em vigor – e acessou 40% dos depósitos tributários, cerca de R$ 160 milhões. Em nota, o governo alegou que os recursos foram transferidos com base na legislação federal, em decisão do CNJ e conforme convênio firmado com o TJ e a Caixa Econômica. Disse ainda que, embora não fosse obrigatória, a medida já estava prevista na Lei Estadual 13.436, de 2002, que teria sido revogada pela lei atual. A revogação, porém, não está prevista na Lei 17.893, do ano passado. Já a Caixa informou que não houve irregularidade na transferência dos recursos, que seguiram contrato firmado pelo TJ em 19 de dezembro. Afirmou também que a legislação federal é que rege o contrato, não se aplicando ao caso a lei estadual.

  • Emerson Fukushima, presidente da Comissão de Precatórios da OAB-PR

Advogados do Paraná que representam clientes com direito a receber depósitos judiciais de natureza não tributária alegam que foram informados pela Caixa Econômica Federal que o governo do estado sacou os recursos no fim do ano passado. A medida é ilegal e está proibida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

INFOGRÁFICO: Confira o caso de um saque ilegal feito pelo governo do estado

Além dessa acusação de irregularidade, o Executivo paranaense deixou de repassar ao Tribunal de Justiça (TJ) a parcela de 2% das receitas referente a dezembro para o pagamento de precatórios, mesmo já tendo em mãos – legalmente – os depósitos judiciais tributários – que, por lei, devem ser usados para essa finalidade. Ou seja, os recursos foram gastos com outro fim. O governo também movimentou os recursos dos depósitos judiciais na Caixa antes de estar sancionada a lei estadual que regulamentou o acesso ao dinheiro.

Depósitos não tributários são aqueles que não dizem respeito a disputas jurídicas relacionadas a impostos e que, muitas vezes, não envolvem nem sequer o Estado. Eles precisam ser depositados em uma conta para que sejam retirados apenas quando a briga judicial entre as partes chegar ao fim e não couber mais recursos. Enquanto isso, o montante fica parado na Caixa, sob responsabilidade do TJ. Estima-se – informalmente – que possa haver até R$ 6 bilhões em depósitos de natureza não tributária no Paraná.

Ao longo de todo o ano passado, o governo do estado tentou ter acesso a esses recursos, mas foi proibido pelo CNJ a pedido da seccional do Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR). No entendimento do conselho, além de não haver previsão legal para isso, não existe garantia de que o dinheiro seria devolvido e não havia como converter a verba em fonte de recursos para investimentos públicos.

Além disso, recentemente a Procuradoria-Geral da República pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que anule uma lei estadual do Rio de Janeiro que permitia o uso de depósitos não tributários para o pagamento de precatórios. Para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a lei fluminense caracterizava "empréstimo compulsório velado" e "apropriação do patrimônio alheio".

Ilegalidade

Segundo advogados paranaenses, porém, o governo estadual ignorou todos esses precedentes e, em 19 de dezembro, teve acesso aos depósitos tributários e não tributários. Isso porque, ao vencerem ações de clientes na Justiça e tentarem sacar os recursos na Caixa, eles encontraram as contas zeradas. Num caso envolvendo um escritório de Curitiba, por exemplo, um cidadão de São Mateus do Sul foi retirar em torno de R$ 57 mil de uma ação não tributária, por desapropriação, contra o Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná (DER-PR), que tramitava há quase 30 anos. Porém, não havia dinheiro (veja infográfico).

Os advogados revelam ainda que funcionários da própria Caixa relataram que a listagem apresentada ao banco pelo governo estadual, que continha a homologação do TJ, não diferenciava depósitos tributários dos não tributários.

Com base nessa e em dezenas de outras reclamações semelhantes de advogados de todo o estado, a OAB paranaense enviou um ofício à Superintendência Regional da Caixa na última segunda-feira, em que cobra explicações do banco. "Solicito cópias da relação das contas judiciais que tiveram os valores levantados pelo estado do Paraná e do número do convênio firmado para regular a operação, bem como seja informado se existe fundo de reserva para garantir os pagamentos devidos", escreve no ofício o presidente da OAB-PR, Juliano Breda.

"Não foi um problema pontual de um lugar. Recebemos requerimentos de advogados de diferentes comarcas. E, evidentemente, consideramos o fato muito sério", afirma Breda. "Como tem feito desde o início, a Ordem vai fiscalizar centavo a centavo o cumprimento da lei no que se refere aos depósitos judiciais." Breda revelou já ter solicitado uma reunião de urgência com o desembargador Guilherme Luiz Gomes, presidente do TJ, ainda nesta semana.

Estado recebeu R$ 160 mi para quitar dívidas. Mas não pagou, diz OAB-PR

Conforme decisão de 19 de dezembro, publicada no Diário da Justiça, o TJ paranaense firmou convênio com o governo do estado e a Caixa Econômica para permitir que o Executivo tivesse acesso a até 40% dos depósitos tributários – algo em torno de R$ 160 milhões. A medida está prevista na Lei Federal 11.429, de 2006, segundo a qual os recursos só podem ser usados para o pagamento de precatórios e da dívida consolidada do estado. Segundo a Caixa, o repasse do montante ao governo foi feito no dia 23 de dezembro.

Munido desses recursos, o Executivo teria, com folga, verba para cumprir a Emenda Constitucional n.º 62, de 2009, na qual optou por repassar mensalmente 2% da sua receita ao TJ – cerca de R$ 40 milhões – para o pagamento de precatórios (dívidas do estado reconhecidas definitivamente pela Justiça).

No entanto, segundo a Comissão de Precatórios da OAB-PR, até o último dia 16 de janeiro o repasse não havia sido feito, o que pode impor ao estado restrições como a impossibilidade de contrair empréstimos e de receber transferências voluntárias da União.

Segundo informações obtidas pela Gazeta do Povo, o recurso teria sido usado, na verdade, para garantir o pagamento da folha do funcionalismo de dezembro (R$ 1,2 bilhão), que ocorreu no dia 30. "Mês a mês, o governo tem atrasado o repasse dos 2%. Se continuar dessa forma, a OAB irá ao CNJ exigindo que o estado cumpra com suas obrigações", diz Emerson Fukushima, presidente da Comissão de Precatórios da OAB-PR.

Ele afirma ainda que mais de R$ 1 bilhão está parado, sem explicação, na conta especial de precatórios, administrada pelo TJ. O temor, segundo Fukushima, é que o tribunal ingresse no chamado caixa único do Executivo estadual, em vigor desde maio do ano passado, e esse montante – bem como todos os recursos do Judiciário – passem às mãos do governo, que poderia geri-los como julgar necessário. "A fila de pagamento de precatórios não está avançando. Por que manter um valor tão elevado praticamente parado? Exigimos que esse R$ 1 bilhão seja liquidado o mais rápido possível", afirma Fukushima.

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