O episódio envolvendo a construção do edifício La Vue, em Salvador, não poderia “em nenhuma hipótese” ser encaminhado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para a advogada-geral da União (AGU), Grace Mendonça.
A orientação neste sentido foi feita pelo presidente Michel Temer ao então ministro da Cultura Marcelo Calero, que entendeu o pedido como uma manobra para que a obra fosse liberada.
“Em nenhuma hipótese a análise do caso se daria diretamente pela advogada-geral da União nem pelo procurador-geral federal”, informou a AGU por meio de sua assessoria, em nota enviada a partir de questionamentos feitos pela reportagem.
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Leia a matéria completaO órgão esclarece que em casos como o do licenciamento do empreendimento, a AGU se manifesta apenas por meio de parecer da procuradoria, que serve de orientação para a decisão final da presidência do Iphan.
Calero deixou o governo por, segundo ele, ter sido pressionado a alterar um parecer do Iphan que embargou o empreendimento onde o ex-ministro Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) afirma ter comprado um apartamento. Em reunião com Temer, Calero afirmou que o presidente teria sugerido que ele encontrasse uma “saída” para questão e que enviasse o caso para AGU, “porque a ministra Grace Mendonça teria uma solução”.
O órgão consultivo do governo, no entanto, já havia se manifestado. No dia 9 de novembro, a procuradora federal Genésia Marta Alves Camelo, em nome da AGU, assinou parecer que conclui que a presidente do Iphan tem poder de modificar o entendimento da superintendência do órgão na Bahia e a palavra final sobre o licenciamento.
O Iphan baiano havia entendido que a obra estava sendo feita fora do entorno de bens tombados, e autorizava a construção de 30 pavimentos.
No dia 16, fundamentada no parecer da AGU, a superintendente do Iphan, Kátia Bógea anulou o parecer da superintendência do órgão na Bahia e embargou a obra com o argumento de que a construção estava sim no entorno de bens tombados.
Conversa
A conversa entre Temer e Calero, confirmada pelas duas partes, aconteceu no dia seguinte ao embargo da obra pela presidência do Iphan. No diálogo descrito por Calero no depoimento que prestou à Polícia Federal, Temer teria dito que a decisão do Iphan estava criando “dificuldades operacionais” ao governo, uma vez que tinha irritado Geddel.
Ao ser questionado sobre o assunto, Temer afirmou que fez a sugestão porque havia divergências de entendimento, que poderia ser arbitrado pela AGU.
A assessoria da AGU, no entanto, afirma que, no caso específico, o titular da Procuradoria-Geral Federal, órgão subordinado à AGU, é que seria a última instância para avaliar a questão, mas apenas se o caso envolvesse posições divergentes entre órgãos distintos. No imbróglio envolvendo o La Vue houve posicionamentos divergentes entre duas instâncias do mesmo órgão.
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Leia a matéria completaPara o ex-procurador de São Paulo Mário Engler, coordenador do Mestrado profissional da FGV-Direito, a AGU tem a prerrogativa de arbitrar conflitos de posicionamentos entre órgãos federais. Mas, segundo ele, “só faz sentido o assunto ser alçado à AGU se ele for objeto de uma dúvida jurídica. “Se é um parecer técnico, um juízo de fato, não tem componente jurídico”.
O governo foi procurado nesta quinta-feira, 1, mas não quis se manifestar sobre o entendimento divergente. Assessores presidenciais argumentaram que não há irregularidade no procedimento e explicaram que contra decisão do Iphan cabe recurso hierárquico, que poderia ser dirigido ao ministro. O normal seria, em caso de recurso, o ministro receber e encaminhar para a consultoria jurídica que o ministério possui, que é composta por membros da AGU. No episódio, como Calero disse que não iria decidir a questão, argumentam que “poderia sim seguir para a AGU”.
Caráter consultivo
A Advocacia-Geral da União já havia manifestado entendimento de que sua participação no caso específico do edifício La Vue teria caráter apenas consultivo, colaborando para que a superintendência do Iphan formulasse seu parecer e desse a palavra final.
“A AGU, no caso, atuou dentro dos estritos limites de sua competência constitucional, pelo seu órgão setorial competente (Procuradoria junto ao Iphan), e tendo como parâmetro a legislação de regência, sem qualquer tipo de interferência ou pressão”, afirmou a AGU na ocasião, em nota assinada pela ministra Grace Mendonça.
“As eventuais questões jurídicas relacionadas ao caso foram examinadas pela própria Procuradoria do Iphan, órgão competente para analisá-las. Tecnicamente, a unidade entendeu que a presidente do Iphan é competente para a anulação de ato da Superintendência estadual e que poderia decidir o caso concreto, conforme os critérios que a área técnica entendesse pertinentes”.
No mesmo texto, Grace afirma ser “irresponsável” a citação a seu nome e reafirma que jamais recebeu “e tão pouco aceitaria” orientações para direcionamento nas manifestações da AGU “que não seja fundamentada na Constituição da República e no ordenamento jurídico pátrio”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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