A questão do foro privilegiado não é um debate exatamente novo. E, na época do julgamento do caso mensalão, no Supremo Tribunal Federal (STF), o tema entrou de forma definitiva na pauta nacional. Mas, agora, com a Operação Lava Jato “deslocada” para Brasília, a discussão ganha ainda mais corpo e já há quem aposte em mudanças efetivas nas regras atuais.
O primeiro a dar passos concretos em defesa de uma restrição do foro especial por prerrogativa de função foi o ministro do STF Luís Roberto Barroso. Na quinta-feira (16), ele apresentou aos colegas da Corte uma espécie de proposta de redução do alcance do foro privilegiado para deputados federais, senadores e ministros de Estado.
Em resumo, Barroso sugere que o grupo só precisaria ser julgado no STF se os atos tratados na denúncia tiverem alguma conexão com o exercício da função atual. “Se o fato imputado, por exemplo, foi praticado anteriormente à investidura no mandato, não se justificaria a atribuição de competência ao STF”, reforçou o ministro.
Números...
De acordo com os dados levados pelo ministro Luís Roberto Barroso aos colegas da Corte, tramitam hoje no STF um número próximo a 500 processos contra parlamentares (357 inquéritos e 103 ações penais).
Os dados, do final de 2016, são da Assessoria de Gestão Estratégica do STF.
Além disso, o prazo médio para recebimento de uma denúncia pelo STF é de 565 dias. “Um juiz de 1º grau a recebe, como regra, em menos de uma semana, porque o procedimento é muito mais simples”, comparou Barroso.
Entre os argumentos apresentados por Barroso para “rever” a questão do foro privilegiado, está a questão da demora na tramitação dos processos, o que pode gerar impunidade. A demora, segundo ele, ocorre porque “cortes constitucionais”, como o STF, “não foram concebidas para funcionarem como juízos criminais de 1º grau, nem têm estrutura para isso”. Barroso lembra, por exemplo, que somente o julgamento do caso mensalão ocupou o STF por um ano e meio, em 69 sessões.
Um dia depois da manifestação de Barroso, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato, também falou sobre o assunto, ao ser questionado pela imprensa. Fachin primeiro lembrou que sempre teve uma visão crítica sobre a existência do foro privilegiado. Mas, depois, ponderou que é preciso discutir se uma eventual mudança na regra poderia ser feita a partir de uma nova interpretação da Constituição Federal, feita pelo próprio STF, ou se caberia somente ao Legislativo tratar do assunto.
Reação do Legislativo
As declarações de Barroso e Fachin já repercutiram no Congresso Nacional. A líder do PT no Senado, Gleisi Hoffmann (PR), reforçou nesta sexta-feira (17) que é contra o foro privilegiado, mas que o tema deve ser obrigatoriamente debatido dentro do Legislativo. “O STF precisa parar de legislar. Sei que os tempos estão difíceis, mas precisamos fazer isso pela via correta”, disse ela, em entrevista à imprensa. Já a senadora Ana Amélia (PP-RS) também se coloca contra o foro privilegiado, mas destaca que o Legislativo tem sido omisso sobre o assunto. “Não é possível reclamar de interferência [do STF] porque nós não estamos fazendo o dever de casa”, disse ela, também à imprensa.
Apenas 1% dos réus com foro privilegiado são condenados, aponta levantamento
Leia a matéria completaProposições que tratam do fim do foro privilegiado se arrastam tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado. A última movimentação importante envolvendo uma proposição sobre foro privilegiado no Legislativo ocorreu no final do ano passado: a aprovação, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, da PEC 10/2013, de autoria do senador Alvaro Dias (PV-PR).
Com o aval da CCJ, a PEC que tramita desde 2013 já teria condições de seguir para votação no plenário do Senado. A inclusão do texto na ordem do dia, contudo, depende do presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e dos líderes dos partidos políticos.
Embate recorrente
Se o STF levar adiante a mudança no foro privilegiado, como propõe o ministro Luís Roberto Barroso, a Corte pode inaugurar um novo embate com o Legislativo. Ao longo de 2016, os dois poderes já entraram em confronto em situações variadas, embora quase sempre atreladas à Lava Jato. No episódio mais recente, o Legislativo acusou o ministro do STF Luiz Fux de “interferência indevida” ao mandar o projeto de lei das “Dez Medidas Contra a Corrupção” sair do Senado e voltar “à estaca zero”, na Câmara dos Deputados.