Antes mesmo de o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) anular a autorização para o empreendimento La Vue Ladeira da Barra, em Salvador, o Ministério Público Federal (MPF) da Bahia havia recomendado a suspensão imediata das obras sob pena de R$ 5 mil por dia em caso de descumprimento.
A construção em meio a uma região histórica da capital baiana está no centro do imbróglio que motivou Marcelo Calero a se demitir do Ministério da Cultura na sexta-feira (18). Ele acusa o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, de pressioná-lo para que a obra tivesse aval do Iphan, órgão subordinado à pasta da Cultura. O ministro disse ter comprado um apartamento no local, mas nega a pressão.
Suspensão de obras
No parecer, o MPF requer a suspensão das vendas dos imóveis, com multa de R$ 100 mil, e o depósito em juízo dos valores das unidades já comercializadas, para efeito de indenização. O parecer, assinado pelo procurador Pablo Coutinho Barreto, é do dia 10 deste mês, e aguarda decisão da 4.ª Vara Federal, em Salvador. “Independentemente de a juíza ter se pronunciado ou não, a obra perdeu sua autorização”, disse a presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Solange Araújo. O parecer do MPF está relacionado a uma ação civil pública de autoria do IAB.
Após a decisão do Iphan, na semana passada, pedreiros e engenheiros não trabalharam na obra na sexta-feira (18). Os corretores, no entanto, continuavam vendendo unidades do empreendimento, com 24 apartamentos. O órgão entendeu que o prédio está no entorno de patrimônio público tombado e, por isso, não pode ultrapassar os 13 pavimentos – originalmente o projeto prevê 30.
Esta foi a segunda manifestação do Iphan pela irregularidade da obra. No início de 2014, o empreendimento foi avaliado pelo Escritório Técnico de Licenças e Fiscalização (Etelf), criado através de acordo de cooperação que incluía a Superintendência de Ordenamento do Uso de Solo de Salvador (Sucom) e o Instituto do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia (Ipac).
O parecer emitido pelo Etelf opinava pela rejeição da construção, tendo em vista o impacto da torre na paisagem urbana. O prédio fica muito próximo a monumentos tombados e seus entornos, como a Igreja de Santo Antonio da Barra, além do Forte de São Diogo.
Em outubro daquele ano, no entanto, o Etelf foi extinto. Em seguida, os empreendedores solicitaram uma nova avaliação. O engenheiro Bruno Tavares foi designado e emitiu parecer liberando o empreendimento com mais de 100 metros de altura, com o argumento de que ele estava longe do entorno da área tombada.
Ex-ministro
Em post publicado no Facebook, o ministro da Cultura à época, Juca Ferreira, disse que demitiu o superintendente do Iphan da Bahia, Carlos Amorim, por causa da atuação junto ao empreendimento.
“As evidências de desmandos eram tantas que, em outubro, determinei a demissão de Carlos Amorim e o prosseguimento das apurações e dos estudos técnicos, que mais tarde revelariam até falsificações e montagens grotescas. Carlos Amorim costumava mostrar uma fotomontagem para sustentar a falsa premissa de que as poligonais de tombamento dos bens localizados na vizinhança do prédio não alcançavam a área onde se localizaria o edifício”, disse.
Amorim foi substituído por uma profissional da área técnica. Em maio deste ano, o engenheiro responsável pelo parecer favorável ao La Vue, Bruno Tavares, foi nomeado superintendente do Iphan local após Michel Temer assumir o governo. O engenheiro e Amorim foram procurados neste domingo, 20, pela reportagem, mas não foram localizados.
Em manifestação de apoio ao Iphan e ao ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, o IAB declarou que o desfecho do caso se deu por contrariar “explícitos interesses imobiliários pessoais de proprietário de parte do edifício a construir, integrante do alto escalão do governo federal”.
O IAB se refere ao ministro Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo), acusado por Calero de fazer pressão pela liberação da construção de um imóvel em área tombada de Salvador.
Em nota assinada pelo presidente do IAB, Sérgio Magalhães, e pela secretária-geral do instituto, Fabiana Izaga, a entidade afirma que “a prática de influências na administração pública para proveito pessoal, com promiscuidade entre o interesse público e o interesse privado, em especial, no caso, em serviços de regulação e aprovação de obras com interferência sobre o Patrimônio Cultural e Arquitetônico nacional, torna ainda mais imperiosa a defesa da nomeação de técnicos experientes e qualificados para a direção do Iphan e de suas superintendências”.
O IAB afirma que já apresentou um pedido de liminar contra a construção do edifício e teve três recursos indeferidos antes de procurar ajuda do Ministério Público Federal na Bahia.
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