Empresas e pessoas que foram alvo da Operação Carne Fraca fizeram em 2014 doações eleitorais oficiais de R$ 715 mil, direta ou indiretamente, para quatro políticos citados no despacho judicial que autorizou a ação da Polícia Federal (PF), do juiz federal Marcos Josegrei da Silva.
Todos esses políticos são paranaenses e dois deles – o ministro Osmar Serraglio (Justiça) e o deputado federal Sergio Souza, ambos do PMDB – foram acusados na terça-feira (21), pela senadora e ex-ministra da Agricultura Katia Abreu (PMDB-TO), de terem feito “pressão nunca vista” para manter Daniel Gonçalves Filho na superintendência do ministério no Paraná. Gonçalves Filho é apontado pela PF como chefe do esquema de corrupção investigado pela Carne Fraca.
Além de Serraglio e Sérgio Souza, receberam dinheiro de empresas ou de pessoas investigadas o deputado federal João Arruda (PMDB) e o deputado estadual Tião Medeiros (PTB).
Nenhum dos políticos citados é alvo da investigação da PF, que afirma não ter encontrado indícios de participação deles no suposto esquema de propina no Ministério da Agricultura. Porém, na sexta-feira passada (17), dia da deflagração da Operação Carne Fraca, o delegado da PF Maurício Moscardi Grillo afirmou que “parte do esquema criminoso dos agentes fiscais ajudava em campanhas políticas ligadas ao PMDB e ao PP”.
Osmar Serraglio
Serraglio, que é deputado federal licenciado, se reelegeu com uma campanha que teve um aporte de R$ 200 mil da JBS – gigante do setor de alimentos no país. Essa doação foi intermediada pelo diretório nacional do PMDB, que recebeu os valores e os repassou ao peemedebista.
O ministro aparece na investigação numa escuta telefônica em que procura Gonçalves Filho, a quem chama de “grande chefe”, para tratar da uma fiscalização num frigorífico do interior do Paraná que foi um dos alvos da Carne Fraca.
Sérgio Souza
Sérgio Souza recebeu doações eleitorais de duas empresas investigadas: R$ 200 mil da BRF (repassada pela direção nacional do PMDB) e da R$ 10 mil da Jaguafrangos (doação direta da empresa). Ele também ganhou aportes eleitorais de duas pessoas que são investigadas: Ronaldo Sousa Troncha (R$ 12 mil) e Valdecio Antonio Bombonatto (R$ 50 mil).
Troncha foi chefe de gabinete de Sérgio Souza entre abril de 2015 e agosto de 2016. O ex-assessor é apontado nas investigações como uma pessoa que tem “ligação próxima” com o suposto chefe do esquema, Gonçalves Filho. Numa gravação autorizada pela Justiça, o superintendente da Agricultura passa sua senha no sistema para Troncha acompanhar processos internos do ministério. O assessor do deputado também teria intermediado a contratação de um advogado para reverter a exoneração de Gonçalves Filho do cargo que ocupava. Troncha recebeu ainda um total de R$ 10 mil depositados por Gonçalves Filho em suas contas bancárias.
Já Valdecio Antonio Bombonatto é sócio da empresa Fortesolo e já foi sócio da Portal Operações Portuárias (hoje chamada Fênix Fertilizantes). A Portal, por sua vez, seria de propriedade do suposto chefe do esquema (Gonçalves Filho), segundo o fiscal que denunciou o caso à PF, Daniel Gouvêa Teixeira. A PF investiga o uso dessas empresas para intermediar pagamentos suspeitos do esquema para Gonçalves Filho.
Tião Medeiros
O deputado estadual Tião Medeiros também recebeu doações eleitorais da Fortesolo (R$ 28 mil) e de Valdecio Antonio Bombonatto (R$ 15 mil).
João Arruda
O deputado federal João Arruda (PMDB-PR) recebeu R$ 200 mil da BRF em 2014. O dinheiro foi repassado pela direção nacional do partido.
O despacho judicial afirma que Arruda tinha influência política na organização da superintendência do Ministério da Agricultura no Paraná durante a gestão da ex-ministra Kátia Abreu (2015-2016) – embora o documento destaque não haver até o presente momento não qualquer indício de que Arruda tenha participado do esquema em investigação.
Também há um ex-assessor parlamentar de Arruda, Heuler Iuri Martins, sob investigação. Martins apareceu em conversas interceptadas que, para a PF, levantam a suspeita de que ele teria defendido, por meio de contatos com servidores do Ministério da Agricultura, a liberação de empresas que eram alvo da fiscalização sanitária (nenhuma das empresas é da BRF, que fez a doação a Arruda). A PF ainda suspeita que o assessor teria recebido alimentos aparentemente de forma ilícita. Os investigadores também suspeitam que Martins teria interesse no afastamento de Daniel Gonçalves Filho da superintendência do ministério no Paraná.
Confira ainda o que falam as empresas doadoras
Políticos citados se defendem
O ministro Osmar Serraglio já havia se manifestado anteriormente à Gazeta do Povo sobre doações eleitorais de empresas alvo da Carne Fraca. Por meio de sua assessoria de imprensa, Serraglio negou irregularidades no recebimento das doações para suas campanhas e diz que elas obedeceram à legislação. Destacou que foram registradas e aprovadas na Justiça Eleitoral.
Sobre a doação específica da JBS, disse em nota: “Recebi do Diretório Nacional [do PMDB] a cota que me cabia pelo Fundo Partidário. A indicação da JBS foi aleatória pelo PMDB. Nunca tive qualquer contato com aquela empresa ou seus dirigentes, como também nunca fui procurado para favorecê-la em qualquer circunstância”.
Por meio de nota, o Ministério da Justiça também informou que a divulgação de conversa entre Serraglio e Daniel Gonçalves Filho é prova de que o ministro não interfere na atuação da Polícia Federal – que é hierarquicamente subordinada à pasta chefiada pelo peemedebista.
Serraglio, por meio de sua assessoria divulgada anteriormente, também negou ter feito pressão para manter Daniel Gonçalves Filho no comando do Ministério da Agricultura no Paraná.
O deputado federal Sérgio Souza enviou uma nota à Gazeta do Povo para se posicionar sobre as doações eleitorais e as citações a seu nome na Operação Carne Fraca. A íntegra da nota é a seguinte:
“As doações de pessoas e empresas foram de livre e espontânea vontade dos colaboradores certo de que o fizeram em apoio às propostas que apresentei em defesa dos interesses do Paraná estando, dentre eles, o agronegócio.
As doações que recebemos na campanha de 2014 foram declaradas na prestação de contas que foi aprovada pela Justiça Eleitoral.
Indícios de irregularidades praticados por pessoas ou empresas, sejam doadoras ou não de campanha, devem ser devidamente investigadas pelas autoridades competentes.
No caso envolvendo a Operação Carne Fraca, os fatos amplamente divulgados nos últimos dias poderão, agora, serem devidamente esclarecidos por aqueles que estão diretamente envolvidos pois, assim como a grande maioria dos brasileiros, causa-me espanto e repulsa que algumas pessoas possam adulterar a qualidade de alimentos colocando a saúde da população em risco para obter ganhos financeiros.”
Anteriormente, Sérgio Souza também havia negado ter feito pressão para manter Daniel Gonçalves Filho na superintendência do Ministério da Agricultura no Paraná.
O deputado federal João Arruda disse que a investigação da PF não coloca em dúvida a doação de R$ 200 mil que ele recebeu da BRF por meio do PMDB – que ele recebeu de forma oficial. Destacou que recebeu o dinheiro intermediado pelo partido e que nem mesmo tem relação com pessoas da BFR investigadas. O deputado também negou ter influência política no Ministério da Agricultura e destacou que o próprio despacho judicial que faz referência a ele diz não haver nenhum indício de sua participação no esquema.
Sobre seu assessor que foi alvo da operação, Arruda afirmou que Heuler Iuri Martins foi exonerado, a pedido dele, para que possa se dedicar à sua defesa. Arruda disse ainda que Martins explicou que foi procurado por representantes de um laticínio do interior do Paraná porque a empresa estaria sofrendo perseguição de uma fiscal agropecuária.
O deputado estadual Tião Medeiros declarou que as doações que recebeu são oficiais, devidamente registradas na Justiça Eleitoral e que não há nenhuma ilegalidade nelas.
O que dizem as empresas alvos da operação
A JBS já havia se manifestado anteriormente à Gazeta do Povo sobre a legalidade de suas doações eleitorais. A empresa, em nota, afirmou: “as doações a partidos políticos guardaram relação com a abrangência e proporcionalidade das suas operações – a JBS opera em quase todos estados do país – e foram realizadas em total acordo com a legislação, devidamente registradas e declaradas à Justiça Eleitoral e à Receita Federal”.
Sobre a Operação Carne Fraca, a JBS tem se manifestado publicamente informando que assegura a qualidade e segurança alimentar de seus produtos. A empresa informou aina que apenas três de suas unidades industriais foram alvo da operação e que não há executivos da JBS sob investigação – só um funcionário da companhia cedido ao Ministério da Agricultura.
A Gazeta do Povo procurou a assessoria de imprensa da BFR na tarde da quarta-feira (22) para que a empresa se pronunciasse sobre as doações eleitorais e também sobre a Operação Carne Fraca. Até o momento, a reportagem não obteve retorno. A BRF, porém, tem divulgado notas em que assegura a qualidade de seus produtos.
O proprietário da Jaguafrangos, Sidnei Donizeti Bottazzari, disse que a contribuição eleitoral de R$ 10 mil para o deputado Sérgio Souza não teve nenhuma irregularidade e que foi devidamente registrada na campanha.
Bottazzari também negou a participação de sua empresa em qualquer irregularidade. Afirmou ainda que, ao contrário do que consta do despacho judicial que autorizou a Operação Carne Fraca, a Jaguafrangos não foi alvo de buscas e apreensões. Reconheceu, porém, que a PF cumpriu mandado em sua casa e que, segundo ele, levou apenas seu celular. O empresário nega ter cometido irregularidade.
A operação levanta a suspeita de que um fiscal agropecuário teria intermediado a venda de miúdos de frango da Jaguafrangos para a China e que ele faria o serviço de habilitação da empresa no mercado chinês. A investigação ainda apura a suspeita que teria havido o suposto pagamento de propina por meio de produtos da empresa.
Bottazzari diz que a suspeita não se sustenta porque a Jaguafrango nunca conseguiu a habilitação para vender para a China e que o fiscal investigado não tem essa competência. O empresário admitiu ter dado caixas de produtos ao fiscal, mas não como propina e sim como doação para uma igreja. O fiscal, segundo Bottazzari, era o intermediário dessa doação. Ele diz ter ofícios assinados pelo pastor demonstrando a doação.
O empresário ainda reclamou da forma como a PF divulgou a operação, pois isso está causando prejuízos para empresas corretas.
Na Fortesolo – cujo telefone é o mesmo da Fênix Fertilizantes −, a funcionária do setor administrativo que atendeu ao telefonema da reportagem afirmou que o caso está sob responsabilidade do departamento jurídico da empresa e que, no momento, não haverá pronunciamento sobre o caso.
As pessoas que são alvos da operação
A Gazeta do Povo entrou em contato telefônico com a empresa onde trabalha Valdecio Bombonatto na quinta-feira pela manhã (23). A reportagem informou estar produzindo uma reportagem sobre a operação e disse que pretendia ouvi-lo. Deixou o número de telefone para um possível retorno. Mas, até a publicação da matéria, não havia obtido resposta.
A reportagem também deixou recado na tarde desta quinta no escritório de advocacia que representa Daniel Gonçalves Filho para que a defesa dele se pronunciasse sobre as acusações. Porém, até o momento não houve retorno.
A Gazeta do Povo não conseguiu localizar os demais citados nesta reportagem ou seus respectivos advogados: Ronaldo Sousa Troncha e Heuler Iuri Martins.