Ex-presidente da empreiteira Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo revelou, em sua delação premiada à força-tarefa da Lava Jato, que o ex-presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) atuou em favor da empresa na tramitação de nove medidas provisórias (MPs) no Congresso. Cunha defendeu os interesses do grupo atuando como relator, apresentando emendas e utilizando sua influência até quando já era presidente da Casa.
Esses depoimentos, ainda sigilosos, foram encaminhados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à Procuradoria da República do Distrito Federal. Cunha está preso em Curitiba desde outubro. A defesa dele nega as acusações.
Temas tributários
A atuação de Cunha ocorria principalmente em MPs de temas tributários. Além do relato de Azevedo, os investigadores tiveram acesso a mensagens de celular nas quais Cunha trata das negociações, sugerindo, em alguns casos, que outros parlamentares poderiam fazer as alterações legislativas desejadas sem que ele tivesse de apresentar emendas. Fazem parte da lista MPs que tramitaram no Congresso de 2009 até 2015, ano em que Cunha já era presidente da Casa. A investigação busca mapear como ele era remunerado pela empresa pelo “serviço”.
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Leia a matéria completaA reportagem fez um levantamento sobre as MPs. A primeira é de 2009. A MP 472 foi editada em dezembro e aprovada em maio de 2010. A proposta original do governo tinha 61 artigos; o que saiu do Congresso,140. Cunha apresentou três emendas. Com base em uma delas, foi retirado do texto original uma permissão para aplicação de multa quando uma empresa indicasse para pagamento de tributo um crédito insuficiente ou ilegítimo. “A criação de mais uma multa para prejudicar o contribuinte não é aceitável”, justificou Cunha na emenda.
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Pedido de segredo
Descrita na delação da Odebrecht como proposta com irregularidades, a MP 627 também está na lista das que sofreram interferência de Eduardo Cunha, relator da medida provisória sobre tributação do lucro de empresas brasileiras no exterior.
Cunha fez profundas alterações, ampliando prazos e dando benefícios a empresas. Após a tramitação, a então presidente Dilma Rousseff vetou uma alteração de Cunha que permitia construtoras escaparem de aumento de tributação. Nas mensagens de celular apreendidas, ele pede “segredo” ao executivo.
Outra MP citada por Azevedo é a 608, de 2013, que já apareceu na Lava Jato. Em documento apreendido na casa de Diogo Ferreira, então chefe de gabinete do ex-senador Delcídio Amaral, havia inscrição de recebimento por Cunha de R$ 45 milhões do banco BTG Pactual por mudanças na proposta – o banco nega a acusação. Cunha disse à época que a emenda dele prejudicava o banco porque impedia a utilização, pelas instituições financeiras, de alguns créditos de instituições falidas e em liquidação extrajudicial. A MP tratava de regras de capitalização das instituições e de emissão de títulos, o que é feito pela Andrade.
Outras MPs
Cunha apresentou emendas à MP 651, de 2014. Uma delas ampliava possibilidades de empresas que aderissem a programas de renegociação de dívidas com a União de não pagar honorários judiciais em ações que viessem a ser extintas. Com texto diferente do proposto pelo peemedebista, a proposta foi contemplada.
O delator relatou a atuação de Cunha a favor da Andrade nas MPs 510 e 517, de 2010; 561, de 2012; e 651, de 2014. Cunha não apresentou emendas nem relatou, mas algumas tiveram aliados à frente. Na MP 561, o relator Hugo Motta (PMDB-PB) incluiu artigo que mudou a tributação de brita e areia para construção mesmo sem que a proposta do governo tratasse disso.
Outro lado
A defesa de Cunha afirma que não teve acesso às acusações, mas diz haver uma tentativa do delator de envolvê-lo em atos que ele não praticou. “Não há dúvida de que se trata de mais uma delação desprovida de base empírica em que um delator, a partir de ilações e criações mentais, busca envolver Eduardo Cunha em prática de atos ilícitos dos quais ele não participou”, afirmou o advogado Ticiano Figueiredo.
A assessoria de Hugo Motta informou que o processo legislativo é complexo e não há como “o relator controlar todas as demandas”. “Vale salientar que não houve interferências de Eduardo Cunha na minha indicação para a relatoria da MP”, completou. A Andrade Gutierrez disse que colabora com as autoridades.
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