Muitos políticos já se valeram de brechas na lei para usar o foro privilegiado e, assim, criar uma situação mais favorável no andamento de processos judiciais. A estratégia não é nova nem muito menos restrita a um partido político. Há aqueles que renunciam a mandatos para que as ações retroajam e outros que são nomeados para cargos com prerrogativa de foro para serem julgados por cortes superiores. É o que ocorreu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que aceitou nesta quarta-feira (16) o cargo de ministro da Casa Civil. Com o ministro, Lula escapa do juiz federal Sergio Moro, pois passa a ter foro privilegiado e seu caso será analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a partir de agora.
A Gazeta do Povo listou dez casos em que a possibilidade de foro privilegiado (ou a decisão de escapar dele) representaram uma interferência significativa no andamento de processos. O político, assessorado por um advogado, pode preferir que a ação seja avaliada numa instância superior, em que o julgamento costuma demorar e também levar em consideração aspectos políticos, além dos jurídicos. Ou ele acaba escolhendo que é melhor que a ação ande nas instâncias iniciais, para ter, entre outros benefícios, a possibilidade de mais recursos e mais demora até o trânsito em julgado (decisão final, sem direito a apelação).
CONHEÇA ALGUNS CASOS
Ezequias
Ex-chefe de gabinete à época em que Beto Richa era deputado estadual, Ezequias Moreira confessou que a sogra dele foi nomeada funcionária da Assembleia Legislativa. Ezequias até devolveu o dinheiro dos salários, mas não se eximiu da responsabilidade criminal. Prestes a ir a julgamento na primeira instância, foi escolhido para assumir o cargo de secretário especial de cerimonial e o processo foi remetido ao Tribunal de Justiça do Paraná. Contudo, a decisão do STF de que condenados por colegiados (como no caso do TJ-PR) podem levar os réus direto para a prisão pode agora prejudicar Ezequias (caso seja considerado culpado).
João Pizzolatti Júnior
Acusado de envolvimento no esquema investigado pela operação Lava Jato, o ex-deputado federal João Alberto Pizzolatti Júnior (PP-SC) foi nomeado secretário extraordinário de Articulação Institucional e Promoção de Investimentos de Roraima. Ele mandou uma carta para Sergio Moro, há um ano, informando que não mais estava sob a jurisdição do juiz federal. A nomeação de Pizzolatti é investigada pelo Ministério Público. O ex-deputado e atual secretário é suspeito de ter recebido R$ 5,5 milhões do esquema da Petrobras. No momento, ele está hospitalizado porque caiu de uma escada e teve ferimentos considerados graves.
Henrique Meirelles
Uma medida provisória foi assinada em 2004, pelo então presidente Lula, para dar status de ministro ao presidente do Banco Central. Na época, o cargo era ocupado por Henrique Meirelles, que teria pedido a MP. Ele estava sendo investigado por sonegação fiscal e, com a decisão, passaria a ter o caso remetido ao STF.
Gurgacz
Com a alegação de que era segundo colocado na eleição para senador, Acir Gurgacz, do PDT de Rondônia, argumentou que deveria ser julgado apenas pelo STF. Como o vencedor do pleito estava respondendo a processo, Gurgacz chegou a ser diplomado pela Justiça Eleitoral. Em primeira instância, contudo, ele havia sido condenado a três anos e meio de prisão por supostas irregularidades em um contrato de uma de suas empresas com o poder público. Usou a prerrogativa por mais de dois anos. Mais tarde, Gurgacz assumiu efetivamente o posto de senador, no lugar de um político cassado.
Washington Lima
Washington Kleber Rodrigues Lima foi nomeado assessor sênior da Secretaria do Meio Ambiente do Maranhão em 2015. Cunhado do vice-presidente da Assembleia Legislativa, deputado Othelino Neto (PCdoB), ele responde a ação por ter supostamente participado, em 2009, de um esquema de venda ilegal de autorizações para corte de árvores. Com a nomeação, o caso foi direcionado para o Tribunal de Justiça do Maranhão.
PEDIRAM PARA SAIR
Cunha Lima
O ex-governador e então deputado federal Ronaldo Cunha Lima (PSDB-PB), às vésperas de ser julgado no STF por tentativa de homicídio, renunciou ao mandato em 2007 para que o caso voltasse para a primeira instância. Em 1993, ele deu três tiros em um adversário político, que sobreviveu. Cunha Lima morreu em 2012 sem que o caso tivesse sido julgado.
Azeredo
O então deputado federal Eduardo Azeredo (PSDB-MG) renunciou ao mandato em 2014 para que a ação penal do mensalão tucano, que ele respondia no STF, voltasse para a tramitar na Justiça mineira. Ele é acusado de desviar dinheiro durante as eleições para o governo de Minas Gerais.
Carli Filho
Luiz Fernando Ribas Carli Filho é acusado de ter provocado a morte de dois jovens em um acidente de trânsito em Curitiba, em maio de 2009. Na época, ele era deputado estadual pelo PSB e renunciou ao mandato. O processo, então, ao invés de ser analisado pelo TJ-PR, voltou à primeira instância. Quase sete anos depois, Carli Filho ainda não foi julgado.
Bethlem
Flagrado em gravações com a ex-mulher em que confirmava ter recebido propina, Rodrigo Bethlem desistiu de concorrer à reeleição. Ele havia sido deputado federal pelo PMDB do Rio de Janeiro e foi secretário do prefeito Eduardo Paes, ambos cargos com foro privilegiado. Já havia ação contra Bethlem no STF, que voltaram para a primeira instância.
NÃO ADIANTOU
Donadon
Natan Donadon foi acusado por formação de quadrilha e peculato, por decisões que tomou enquanto era diretor financeiro da Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia. Quando Donadon assumiu o posto de deputado federal, o caso foi remetido ao STF. Na véspera do julgamento, em 2010, Donadon renunciou ao mandato, para que o caso voltasse para primeira instância, mas a estratégia não deu certo. O STF condenou o ex-deputado a 13 anos, quatro meses e 10 dias de reclusão.
22 mil
pessoas no Brasil, segundo um levantamento dos procuradores da Lava Jato, têm direito a foro privilegiado. A maior parte tem esse direito porque foi eleita pelo voto popular, mas também estão na conta secretários e ministros, escolhidos por políticos para ocupar os cargos.
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