Quase 15 anos após o escândalo da primeira Máfia dos Fiscais na Prefeitura de São Paulo, os acusados de achacar comerciantes da capital na gestão Celso Pitta (1997-2000) ainda não tiveram de desembolsar um único centavo por enriquecimento ilícito. O esquema que teria arrecadado R$ 436 milhões em propinas resultou em quatro ações de improbidade administrativa movidas pelo Ministério Público Estadual (MPE) contra 58 réus, mas até hoje não houve nenhuma condenação em primeira instância.
A lentidão da Justiça em analisar as denúncias na esfera cível dos desmandos do esquema que envolveu políticos e servidores em quatro Administrações Regionais (as atuais subprefeituras) serve de alerta para o desfecho do mais recente escândalo de corrupção da capital: a quadrilha do Imposto sobre Serviços (ISS), acusada de desviar R$ 500 milhões. O MPE investiga 42 auditores fiscais e um vereador suspeitos de elevar os patrimônios com dinheiro fruto de propina.
O ritmo das ações de improbidade, que são aquelas que resultam em perda dos bens de origem ilícita, ressarcimento aos cofres públicos e perda dos direitos políticos, contrasta com o das ações criminais. O ex-vereador José Izar, por exemplo, foi condenado em abril de 2008 a 8 anos de prisão por concussão (extorsão praticada por funcionário público), juntamente com outras 15 pessoas acusadas de integrar a máfia na Regional da Lapa, zona oeste.
Na ação civil, contudo, o MPE ainda nem sequer calculou a proporção do suposto enriquecimento ilícito de Izar e dos outros réus. Assim, além de aguardar em liberdade o julgamento da apelação na esfera criminal, o ex-vereador mantém os bens longe de qualquer ameaça.
Viscome. O caso do ex-vereador Vicente Viscome é emblemático. Condenado em 2000 a 16 anos de prisão por ter chefiado a máfia de fiscais na Regional da Penha, Viscome cumpriu 4 anos até a liberdade condicional, em 2003, para depois receber indulto judicial, em 2007. Depois disso, está completamente reabilitado perante a Justiça, a ponto de ter tentado retornar à Câmara Municipal nas eleições de 2008 e de 2012.
Isso só foi possível porque a ação de improbidade continua estagnada. Na sexta-feira, o juiz Murillo D'Avilla Vianna Cotrim da 5.ª Vara da Fazenda Pública da Capital, publicou uma intimação ao ex-vereador para que ele informasse o andamento do recurso que apresentou ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) há mais de dois anos, dado que está disponível na internet.
Para o promotor José Carlos Blat, que investigou a Máfia dos Fiscais na área criminal e hoje atua na Promotoria do Patrimônio Público e Social, o contraste é frustrante. "Na área criminal deu tudo certo, com quase 600 condenações em primeira e segunda instâncias. Agora, na esfera cível o rito já é bem mais demorado mesmo porque as Varas da Fazenda Pública estão entupidas de processos", disse.
Para Blat, os prazos de tramitação devem diminuir nas ações que devem ser movidas contra a quadrilha do ISS, por causa da melhora dos métodos investigativos. "Naquela época não tínhamos perícias e instrumentos de constatação de provas. Hoje monitoramos movimentação bancária e temos um laboratório de lavagem de dinheiro", disse.
Julgamentos mais rápidos evitariam, por exemplo, que réus das ações de improbidade morressem durante a tramitação na Justiça, fazendo com que os processos fossem suspensos por meses para a inclusão dos herdeiros no polo passivo, como ocorreu em duas ações da Máfia dos Fiscais, na 8.ª Vara e na 14.ª Vara da Fazenda Pública, onde as ações já somam mais de 12 mil páginas e 26 volumes, respectivamente.
Promotor pedirá esclarecimentos sobre lentidão
O promotor Gilberto Martins, integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), vai pedir esclarecimentos sobre as ações civis de improbidade contra a Máfia dos Fiscais do fim da década de 1990, que ainda não saíram da primeira instância, após mais de dez anos. "Vou tomar providências para saber a razão da lentidão desses processos", afirmou o conselheiro.
As ações contra servidores e políticos estão bem aquém da meta 18, proposta pelo CNJ para julgar até o fim do ano todas as ações de improbidade e de crimes contra a administração pública iniciadas antes de 31 de dezembro de 2011. Apenas 51,51% do estoque de processos já foi cumprido - o equivalente a 58.532 julgamentos. "O atraso é muita negligência em não querer dar andamento nos processos", afirmou Martins. As ações tratadas na reportagem, segundo ele, extrapolam em muito a média de tempo nacional, de 6,5 anos.
Martins considera ser uma incongruência réus condenados na esfera penal, sem terem pago pelo enriquecimento ilícito. O Estado procurou representantes do Tribunal de Justiça, mas não localizou ninguém que pudesse comentar o caso até a noite de sexta-feira.
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