Opinião
André Gonçalves, correspondente em Brasília e colunista de política da Gazeta do Povo.
Pior que está, fica. E como fica
Virou costume tratar o Congresso Nacional como a Geni da República brasileira. Feito para apanhar, bom de cuspir, como diria Chico Buarque. Às vezes dá pena, o bullying da sociedade contra os parlamentares parece exagerado e injusto.
Só às vezes.
Nos últimos quatro meses, os deputados federais não votaram sequer uma proposição em plenário. No Senado, o inverno dura três meses. O motivo, é claro, as eleições.
Só que a disputa por vagas no Congresso acabou no dia 3 de outubro. Está bem, depois veio o segundo turno presidencial. Nada contra afastar-se de Brasília pela luta político-partidária, o problema é o abandono descarado da atividade legislativa.
Seria perfeitamente razoável organizar um esquema de trabalho de dois dias por semana ao longo da campanha ou pelo menos durante o mês passado. Afinal de contas, todos continuaram recebendo em dia o salário de R$ 16.512,09, mais as respectivas verbas indenizatórias e manutenção do cabide de assessores o que joga a conta para mais de R$ 100 mil ao mês.
Não é preciso ser um especialista em recursos humanos para saber que é muito dinheiro para pouco resultado. Eles sabem que a conta não fecha e que apenas eles podem corrigi-la é só criar uma regra de conduta para o período eleitoral. Aliás, congressistas são pagos para isso, criar leis.
Mas se eles próprios não querem entender, é difícil atenuar a fama de Geni ou contrariar a filosofia daquele novo deputado eleito por São Paulo. Por incrível que pareça, pior que está, fica. E como fica.
Líderes partidários da Câmara dos Deputados fazem reunião hoje para tentar retomar uma prática esquecida na Casa há mais de quatro meses. Desde o dia 7 de julho não há votações em plenário. O atraso, somado ao trancamento da pauta por 12 medidas provisórias (MPs), reduzirá o trabalho das próximas semanas à definição do orçamento do ano que vem e jogará a apreciação de temas polêmicos para a próxima legislatura (2011-2014).Até o fim do ano, serão apenas mais 11 dias com sessões deliberativas. Além da pressão interna sobre o orçamento, estimulada pela negociação das emendas parlamentares, a equipe de transição para o governo Dilma Rousseff (PT) também manobra para evitar a aprovação de propostas que ampliem os gastos da União. O assunto foi tratado na primeira reunião formal do grupo, realizada ontem.
Pelo menos dez propostas de emenda à Constituição (PECs) prontas para serem votadas na Câmara encarecem as contas do governo federal. Elas tratam de benefícios para policiais, aposentados, agentes de saúde, servidores públicos, juízes e seringueiros. Só a PEC 300/08, que institui o piso salarial para policiais e bombeiros militares, poderia aumentar as despesas anuais da União em até R$ 20 bilhões.
Na última sexta-feira, o relator-geral da Comissão Mista de Orçamento, senador Gim Argello (PTB-DF), apresentou relatório preliminar sobre o projeto orçamentário de 2011 e reservou R$ 12,3 bilhões para novas demandas. O valor deve ser suficiente apenas para discutir o aumento do salário mínimo e a compensação de perdas de estados exportadores relativas à Lei Kandir. No texto, o valor do salário mínimo foi fixado em R$ 538,15.
O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, já adiantou que a quantia será arredondada a princípio para R$ 540, o que representa R$ 529,8 milhões a mais no orçamento. Já as centrais sindicais lutam por um aumento para R$ 580,00. O governo sinalizou que aceita negociar, mas ainda não indicou até onde pode chegar.
"Para aprovar as MPs e ir além do orçamento na pauta, só com um esforço muito grande", diz o deputado paranaense Marcelo Almeida (PMDB). A opinião é a mesma do líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP). Entre outros assuntos prejudicados está a proposta de criação do Fundo Social do pré-sal, que aborda a divisão de royalties do petróleo.
Em agosto, os deputados realizaram duas semanas de esforços concentrados para desobstruir a pauta. Mas a oposição decidiu só apreciar MPs se, em contrapartida, fosse votada a regulamentação da Emenda 29, que define porcentuais mínimos de investimento em saúde para a União, estados e municípios. O texto base da proposta já foi aprovado em plenário, mas falta a votação de um destaque sobre a criação da Contribuição Social para a Saúde (CSS). Apesar de haver um lobby de governadores favoráveis ao tributo, ele só deve ser discutido no ano que vem. "Há uma pressão muito forte da sociedade para aprovar a regulamentação da Emenda 29, com ou sem a CSS. O Congresso não pode mais deixar para depois", diz o deputado paranaense Dr. Rosinha (PT).
Senado
Ao contrário da Câmara, o Senado aproveitou as sessões de agosto para votar todas as MPs que tinha na pauta. A previsão para a ordem do dia de hoje contém 69 proposições de origem legislativa. Entre os primeiros itens estão quatro PECs, como a que retoma a exigência do diploma de jornalista para o trabalho em redações de veículos de comunicação. "São temas importantes, mas não acredito que sejam votados", diz o senador Alvaro Dias (PSDB-PR). Para ele, os maiores impasse serão a votação do orçamento e a discussão sobre o salário mínimo.
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