Protesto bem-humorado brinca com o ex-ministro José Dirceu: auge do processo do Mensalão.| Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

Depois de um ano, sete meses e 11 dias de sessões transmitidas ao vivo pela TV Justiça, o Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou o julgamento do mensalão. Apesar do tão aguardado ponto final, o caso ainda não acabou para as atividades acadêmicas das faculdades de Direito e os principais escritórios do meio jurídico. A condenação dos mensaleiros serviu para que a Justiça afirmasse um novo entendimento, por exemplo, sobre corrupção. Decisões tomadas pelos ministros ainda são estudadas e repercutidas em tribunais do país.

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“A mudança do conceito de corrupção está sendo muito estudada. Eu mesmo orientei pelo menos dois trabalhos de conclusão de curso em que os alunos comparam o julgamento da ação penal 307, o julgamento do Collor, e a ação penal 470, que era o julgamento do mensalão. Eles mostraram o seguinte: o que o Collor fez na época não foi considerado corrupção porque se provou que ele recebeu dinheiro, mas não se provou o que motivou o recebimento do dinheiro. O Supremo, à época de Collor, não considerou um caso de corrupção. E esse entendimento mudou”, diz o professor de Direito Penal da FGV Direito Rio, Thiago Bottino, ressaltando que, agora, basta o recebimento da propina para a condenação.

O alcance da delação premiada

A delação premiada é utilizada há muito pelo Ministério Público (MP) para garantir a elucidação de crimes e ficou mais conhecida do público com os 14 delatores do esquema investigado pela Operação Lava Jato

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No caso do mensalão, deputados receberam dinheiro para votar a favor da reforma da previdência durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva. Alguns deles, no entanto, votaram contra a proposta, mesmo com o recebimento do dinheiro. “Esse momento foi muito importante, porque impactou todos os julgamentos de corrupção, ou ainda vai impactar todos os julgamentos que vierem. O Supremo disse: para se caracterizar a corrupção, não é preciso mais provar o ato de ofício do funcionário público”, diz Bottino.

Para Janaína Conceição Paschoal, doutora em direito penal e professora da Universidade de São Paulo (USP), sob o ponto de vista da Justiça, houve equívoco na proporcionalidade das condenações. Enquanto os políticos já estão fora prisão, os empresários e operadores ainda cumprem pena em regime fechado. Mesmo com essa diferença, ela julga que as punições tiveram um efeito prático positivo.

“Assim que estourou o escândalo da Petrobras, os empresários, sabendo o que aconteceu no caso o mensalão, já foram logo colaborar com a Justiça, fizeram delação premiada. O julgamento do mensalão e, agora, o do petrolão, são muito importantes para operações futuras.”

A professora diz que o julgamento do mensalão, ao possibilitar novas delações, provocou uma necessidade: garantir a efetividade dos acordos. “As pessoas vão observar se as autoridades vão cumprir a palavra. É muito importante que as autoridades cumpram a palavra, porque amanhã, se estourar um novo escândalo, elas podem não se sentir seguras para falar. [A delação] é um resultado bom, até em termos sociológicos, do julgamento do mensalão.

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Para o professor de Direito Constitucional da FGV Direito Rio, Joaquim Falcão, o fato novo do julgamento está relacionado à transparência do Supremo. Segundo ele, as doutrinas, as punições e as decisões do Supremo não podem mais ficar fechadas. Ele diz que a “caixa preta” da Justiça foi aberta “com a evidência dos fatos através da opinião pública, da redes sociais, da mobilização”.

“O mensalão é um ponto decisivo na Justiça do Brasil porque há uma novidade. Quando a pessoa vê, seja na televisão ou nas redes sociais, um funcionário pagando um dinheiro que não podia ser pago, este é um fato. Então, a Justiça agora, com a comunicação, com a multiplicação das mídias, tem que lidar com fatos que são constatados por milhões de brasileiros. Não dá para discutir, como no passado, se era teoricamente corrupção ou caixa dois. Discutia-se doutrinas. Agora tem que ver os fatos. E esse fatos não são mais de propriedade dos advogados, das partes ou dos juízes. Esses fatos são uma evidência nacional. Isso muda tudo. Porque não dá para dizer isto é caixa dois e, portanto, prescreveu. Ou, portanto, não tem punição. Por quê? Porque tem um elemento novo. Tem a opinião pública.”