Escândalos
Em todo o Brasil estão vindo à tona vários casos de desvios de dinheiro público nos convênios entre ONGs e o poder público. Relembre alguns casos:
Maio de 2010: Operação Parceria, da Polícia Federal, prende 11 pessoas acusadas de participar de um esquema de desvio de recursos federais pelo Ciap, uma ONG com sede em Londrina. A entidade é suspeita de desviar R$ 300 milhões em todo o Brasil. Na cidade paranaense, o Ciap contratava de prestadores de serviço para a área da saúde.
Abril de 2011: A Polícia Federal deflagra a Operação Dejavu II, que investiga a participação das ONGs Adesobras e Ibidec (ambas com sede em Curitiba) em desvio de dinheiro público. De R$ 16 milhões recebidos nos últimos anos para execução de programas na área da saúde, educação e segurança, R$ 16 milhões teriam sido desviados.
Maio de 2011: Na Operação Antissepsia, o Ministério Público Estadual acusa os institutos Gálatas e Atlântico, ONGs que prestavam serviços na área de saúde em Londrina, de emitirem notas falsas e pagarem propina a agentes públicos. Com o fim dos convênios, o prefeito de Londrina, Barbosa Neto, decretou estado de calamidade pública na cidade para facilitar a contratação de pessoal.
Agosto de 2011: A Polícia Federal, na Operação Voucher, prende 36 pessoas ligadas a um esquema de desvio de dinheiro público do Ministério do Turismo por meio de convênios com a ONG Ibrasi, do Amapá. Cerca de R$ 4 milhões teriam sido desviados, segundo a PF. A investigação precipitou a demissão do ministro Pedro Novais.
Outubro de 2011: ONGs que atuavam no programa Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, são suspeitas de desviar dinheiro público para abastecer o caixa de partidos políticos. As denúncias culminaram na queda do então ministro da pasta, Orlando Silva. Semanas depois, o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, também começa a ser alvo de críticas por supostas irregularidades em convênios da pasta com ONGs. Diante de várias denúncias de desvios de dinheiro por meio de entidades do terceiro setor, a presidente Dilma Rousseff decide suspender por 30 dias, a partir de 31 de outubro, os repasses de verbas federais para as entidades do terceiro setor. O Planalto determina ainda que todos os contratos sejam reavaliados somente neste ano, as ONGs receberam R$ 2 bilhões da União por meio de convênios. Como o tempo é curto para rever todos os contratos, é possível que a suspensão se estenda por mais tempo.
Medida é ilegal, dizem sindicatos da saúde
Grande parte dos servidores públicos que atuam na parte administrativa e médica de todo o Brasil é contra o repasse dos serviços de saúde às organizações sociais (OSs), permitido desde a promulgação da Lei Federal n.º 9.637, de 1998. O Fórum Popular de Saúde do Paraná (Fops-PR), formado por sindicatos de servidores e também da iniciativa privada, tem como principal bandeira a suspensão dessa lei, como pede a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) n.º 1.923, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Um dos principais objetivos do governo do estado com o projeto de lei das OSs é justamente terceirizar hospitais públicos.
"A transferência é ilegal, pois a Constituição diz que é um dever do Estado. E é imoral, pois o Estado não pode abrir mão de pensar, planejar, executar e avaliar as ações de saúde", diz Elaine Rodella, secretária-geral do SindSaúde, o sindicato dos servidores na Sáude e Previdência do Paraná. Ela critica o governador Beto Richa (PSDB), que durante a campanha eleitoral do ano passado negou que tivesse interesse em terceirizar serviços de saúde, conforme vídeo disponível no site do Fops-PR. "Somos contra a entrega de patrimônio público para a mão de terceiros. Quem vai fazer a saúde pública? Ficaremos reféns da doença ou dos interesses do mercado?", questiona Elaine.
O presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Cid Carvalhaes, diz que há "motivos muito fortes" para barrar a iniciativa de qualquer administração de terceirizar serviços de saúde. Ele cita uma análise do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TC-SP) divulgada em maio deste ano. "A gestão terceirizada deixa a desejar. Segundo o TC, os hospitais das OSs são mais ineficientes e mais caros. Além disso, são discriminadores no atendimento. É uma forma de os governos municipais e estaduais fugirem de sua responsabilidade social para garantir a saúde." Além disso, ele diz que já existem manifestações da Justiça contrárias à terceirização do atendimento médico.
Apesar dos recentes escândalos de irregularidades nos convênios firmados pela administração pública do todo o país com entidades do terceiro setor, o governo do Paraná decidiu ampliar os convênios com organizações não governamentais (ONGs). A intenção é agilizar e melhorar a qualidade das ações públicas. Entretanto, segundo especialistas, a terceirização de atividades governamentais está longe de ser uma "tábua de salvação" para os serviços públicos, principalmente na área de saúde.
Um projeto de lei encaminhado pelo governador Beto Richa (PSDB) à Assembleia Legislativa na última quarta-feira prevê o repasse de serviços na área de saúde, cultura, tecnologia e outros para organizações sociais (OSs), que são ONGs que recebem uma qualificação do poder público, mediante cumprimento de determinadas exigências. A expectativa é de que a lei seja aprovada até o fim do ano.
A proposta paranaense prevê a necessidade de um plano estratégico e comprovação de experiência na execução de ações para a área pretendida, entre outras coisas. O detalhamento de cada concessão será feito em um contrato de gestão. O projeto ainda será debatido pelos deputados estaduais.
Entre os serviços públicos que podem ser concedidos às OSs só ficam de fora a educação e a segurança pública. Pelos modelos já vigentes em outros estados, o alvo mais comum da terceirização é a área de saúde. No Paraná, estuda-se a concessão de oito hospitais que foram construídos ou reformados durante o governo de Roberto Requião (PMDB), mas que ainda não estão em pleno funcionamento e têm problemas estruturais, segundo análise do Tribunal de Contas do Estado (TC). Um deles é o Hospital de Reabilitação do bairro Cabral, em Curitiba.
Complexidade
"Gerir hospital é muito difícil, e fica ainda mais complicado quando o serviço é público. Licitar equipamentos de alto rendimento e remédios é bastante complexo, assim como manter uma escala do quadro de profissionais", alerta Christian Mendez Alcantara, professor do Setor de Educação Profissional e Tecnológica da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Entretanto, pondera ele, isso não significa que as OSs são a resposta para esses problemas. "Vai depender se a OS é séria ou não, dos termos do contrato de gestão e de um corpo técnico do poder público com condições de avaliar, auditar e regular as metas. Se não for possível fazer uma avaliação aprofundada, o repasse à OS será um tiro no pé", observa Alcantara, que escreveu uma tese sobre o tema.
O advogado e procurador do Estado do Paraná Fernando Borges Mânica apresenta argumentos semelhantes. Segundo ele, o contrato de gestão é peça-chave na terceirização, porque pode impor um regime jurídico parcialmente público a uma entidade de natureza privada. "Isso quer dizer que a entidade terá de se submeter ao interesse público e respeitar os preceitos de eficiência, impessoalidade, publicidade e moralidade."
Para Mânica, os contratos de gestão são ferramentas importantes para melhorar a eficiência do serviço público, mas precisam ser bem elaborados. "Esse caminho não pode ser usado como rota de fuga para evitar os princípios do interesse público. É uma inovação útil. O problema não é o contrato de gestão em si, mas o mau uso que pode ser feito dele", ressalta Mânica, que é autor do livro O Setor Privado nos Serviços Públicos de Saúde.
Experiência paulista
Em São Paulo, onde o repasse de serviços públicos às OSs é permitido por lei desde 1998, o modelo ainda gera polêmica. Em maio deste ano, o Tribunal de Contas daquele estado (TC-SP) divulgou um relatório no qual compara hospitais da administração direta com outros geridos por organizações sociais. Para trabalhadores do setor, o documento comprovaria que a terceirização é ruim, mas há alguns indicadores em que os hospitais geridos pelas OSs se saem melhor (veja infográfico).
O estudo conclui que ambos os modelos apresentam problemas, contrariando as expectativas da terceirização de serviços. E, considerando os gastos tributários, os da administração direta têm prejuízo menor. Mas o TC de São Paulo diz que faltam auditorias nos dois casos.
Interatividade
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