Não é fácil descrever eventos políticos enquanto eles acontecem. O risco é se deixar levar pelas paixões de momento. Essa é a minha impressão quando leio o que se escreve sobre as manifestações de 2015, inclusive eu. No desenrolar dos fatos é possível, apenas, identificar alguns sinais dados pelas manifestações. Não é possível estabelecer qualquer tipo de previsão sobre eventos futuros a partir delas. Por isso, pretendo apontar apenas três pontos relativos à descrição do atual momento político: há uma descrença nas instituições, vivemos uma transição política e temos que optar entre aristocracia, plutocracia, demagogia ou democracia.
As manifestações de domingo reuniram mais pessoas que as de abril, mas menos que as de março. Ao invés de falarmos em centenas de milhares, estamos falando em dezenas de milhares nas cidades onde houve organização. Isso é algo negativo? Não necessariamente. O movimento de ontem teve como novidade a organização mais estruturada e próxima a partidos de oposição, portanto, menos espontânea. Houve até carro de som com chamada para as passeatas nos dias que antecederam o domingo. A redução no volume de participantes mostra um descrédito aos atuais atores da cena política - não desmobilização. Estamos aprendendo a não ser usados para fins particularistas. A sociedade brasileira parece separar os próprios interesses dos interesses de grupos políticos.
A segunda é que estamos entrando em um período de transição, fim de ciclo político. A questão é que não precisaria ser uma transição tão radical e bélica como está sendo. E a responsabilidade pelo belicismo percebido nas manifestações ofensivas é principalmente do PT. Para mim, o Fora Dilma é só um meio para o Fora PT, o fim principal dos manifestantes. Mas, se o PT foi eleito democraticamente, de onde vem tanta oposição? Das escolhas do próprio PT, que nunca teve grande preferência. Em 2002 o PT venceu a eleição em uma conjugação de fatores que incluíram o carisma de Lula, a rejeição ao PSDB depois de repetidas denúncias de corrupção não investigada nos governos FHC e, principalmente, uma aliança do partido com a classe média urbana. Depois disso o PT resolveu abrir mão da classe média urbana. Achou que poderia governar apenas com as classes subalternas urbanas. A consequência foi jogar a classe média urbana no colo do conservadorismo de direita, abrindo espaço para a difusão do discurso obtuso e moralista até então limitado a segmentos pouco relevantes da sociedade. O resultado é o que estamos experimentado agora.
A questão, para nós, a grande maioria que vai viver esta segunda-feira como qualquer outra, é saber o que queremos de fato com as manifestações. Uma manifestação não é fim em si mesma, é meio para o que virá depois. Ela pode favorecer uma aristocracia brasileira, para a qual as atuais mudanças não interessam. Pode favorecer uma plutocracia política rica, que independente de sigla ou cor, se reconhece como legítima detentora do Estado brasileiro, achando que pode fazer o que bem entender com ele. Nossas manifestações também podem ser um terreno fértil para o surgimento de lideranças demagogas, que não falam com o povo, nem a favor do povo. Se colocam como o próprio povo. Ou as manifestações podem fortalecer nossas instituições políticas, reduzindo a dependência a figuras populares, carismáticas ou heróis nacionais construídos artificialmente. Cabe a nós a escolha. Infelizmente só podemos um desses caminhos. E, pior, depois de feita a escolha não dá para voltar atrás. Nossa responsabilidade é grande, não podemos brincar.
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Quem são os indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro indiciado, a Operação Contragolpe e o debate da anistia; ouça o podcast
Seis problemas jurídicos da operação “Contragolpe”