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Os ativistas que não descansaram até que o governo aprovasse o referendo sobre o comércio de armas e munições, marcado para dia 23 de outubro, tomaram fôlego nos últimos dias para reforçar a campanha diante da população. Eles querem fazer com que 80% dos eleitores respondam "sim" à consulta popular, que vai questionar se as pessoas são a favor da proibição. Em Brasília, o Comitê Nacional de Vítimas da Violência (Convive) aposta na vitória e faz um novo alerta: para que os cidadãos não deixem de cobrar fiscalização. A presidente do Convive, Valéria de Velasco, que trabalha no setor desde 1993, argumenta que só a proibição não será suficiente para deter a violência. Veja como ela responde aos principais questionamentos contrários à proibição.

Gazeta do Povo – A população que comprou armas para se defender é o principal alvo da proibição. Mas os crimes normalmente são praticados com armas em situação irregular. O foco da briga contra a violência não está errado?

Valéria de Velasco – Quem mantém arma em casa sempre corre risco de uma tragédia. Os casos de crianças e adolescentes que disparam armas acidentalmente ou que se suicidam são comuns. Os suicídios não são noticiados, por uma questão ética da imprensa, mas ocorrem com freqüência. A proibição também é contra o bandido. A grande maioria usa armas que roubou de alguém, que já foram legais um dia. A primeira coisa que um assaltante procura quando invade uma casa é o cofre e a segunda, a arma da família.

– Já existem leis contra o crime armado. Por que o combate à violência não é direcionado ao cumprimento dessas leis?

– O objetivo da proibição é impedir o incremento da criminalidade restringindo o comércio de armas e munições. Sem dúvida, a medida vai reduzir o número de armas em circulação. Se não houver um controle sobre o comércio ilegal, aí sim, nada vai mudar. Estamos reivindicando que se aumente o rigor no controle desse setor, sustentado pela violência. O governo tem que agir com rigor para que as coisas funcionem, porque realmente só proibir não basta.

– Com a proibição, o Brasil não corre o risco de enfrentar um incremento no comércio ilegal de armas?

– Acredito que não. A curto prazo, o comércio ilegal vai continuar do mesmo tamanho, porque ele existe para sustentar o crime. Com o tempo, se houver fiscalização, tende a diminuir.

– Até lá, a população vai ficar indefesa. A proibição da venda de armas vai facilitar o crime?

– Mesmo quem tem arma para se defender corre sério risco. Eu não acredito que o uso do arma traga segurança. A arma não defende o cidadão, é um instrumento a mais de risco. Quem possui uma arma, corre quatro vezes mais risco de enfrentar uma situação de violência. O comércio de armas vende a ilusão de que a arma traz proteção. Os dados do Sistema Único de Saúde (SUS) dizem que, em 2002, 63,9% dos homicídios ocorreram com armas de fogo. Só esse número já é suficiente para mostrar que a proibição vai diminuir a violência. Muitos desses homicídios são praticados por jovens que têm armas em casa. Além disso, é muito fácil obter uma arma hoje em dia. Basta ter 200 ou 300 reais e procurar na rua.

– Os casos de acidentes são relativamente raros se comparados com os disparos feitos com armas ilegais. Não bastaria orientar quem tem porte legal de arma?

– Não é obrigação da população saber como usar uma arma. A segurança deve ser oferecida pelo governo. O cidadão não é treinado e jamais será o suficiente. Porque manusear uma arma é uma atividade de risco, que deve ser exercida pela polícia. Quem tem que fazer segurança é o Estado e não o cidadão. Mesmo o cidadão armado é pego de surpresa pelos criminosos. Ele é atacado e tem poucas chances.

– A proibição não vai dar estrutura para a polícia garantir a segurança.

– Nós defendemos que a polícia seja equipada, que a capacidade de combate ao crime ganhe estrutura. Aconteceu que a população aumentou e a impunidade também, o que dificulta essa tarefa e alimenta a criminalidade. A população tem a sensação de que não há segurança não só por causa da polícia. Muitos dos criminosos presos acabam sendo soltos pela Justiça. Isso tem que mudar. Temos que exigir isso do governo. Não podemos aceitar suprir o papel do Estado.

– A proibição terá algum efeito sobre a "guerra civil" no Rio de Janeiro, as "feiras" de armas em estados como São Paulo, os justiceiros e pistoleiros conhecidos no Nordeste?

– Vai ter algum impacto com certeza. Os traficantes de armas e drogas e os justiceiros vão ter que cair cada vez mais na ilegalidade. Caberá à segurança pública fazer o cerco à ilegalidade. Vamos ver isso acontecer a médio prazo. O impacto vai depender também da regulamentação da proibição, porque o referendo vai só definir mais um artigo do Estatuto do Desarmamento.

– O tráfico e o porte de drogas foi proibido em 1976, mas nem por isso diminuiu. O que nos garante que não vai acontecer o mesmo com as armas?

– A população vai votar sim no referendo porque quer paz. Todos os dias vemos manifestações contra a violência pelo Brasil afora. A paz é incompatível com as armas. Se você quer paz, tem que adotar medidas que levam a isso. O Brasil precisa enxergar que a proibição da venda de armas e munições faz parte da cultura da paz, não é uma medida isolada. Temos 38 mil vítimas de armas de fogo por ano. Houve um descontrole da situação, em parte relacionada ao próprio tráfico de drogas. É preciso mudar.

– Corremos o risco de ver uma corrida pela compra de armas e munições antes da proibição?

– De armas não, mas de munição sim. A pressa por comprar armas é menor, mas quem já tem arma em casa e pretende continuar com ela vai querer estocar munição. Nem por isso a importância da proibição diminuiu. É preciso proibir. É hora do brasileiro discutir isso e começar a pensar no que vai ter que exigir do poder público. A população tem que se impor.

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