Um professor de História ouviu alguém no banco dizer que era preciso matar o ex-presidente Lula, acusado de corrupção.
Incomodado, ele disse discordar: foi ameaçado no próprio local e perseguido no colégio em que leciona.
Procurou a polícia, mas achou-se que era um caso isolado. Não era. Então surgiram outros casos espalhados pelo país. Gente que era ameaçada por usar roupas vermelhas. Gente acusada de golpista por vestir preto.
POLARIZAÇÃO: Intolerância ganha as ruas e as redes sociais
Em Curitiba, na semana passada, um novo caso: uma turma de estudantes protestou contra a corrupção e o atual governo dentro do Colégio Medianeira, um dos mais tradicionais de Curitiba. Vestidos de preto, foram criticados duramente por uma professora no Facebook. Na foto do post, meninos da Itália fascista. No texto, a acusação de que eles defendiam o golpe. No mesmo Facebook, pais reagiram chamando a professora de “comunista descarada” e pedindo sua cabeça. A professora, intimidada, pediu demissão.
Em Porto Alegre, uma história ainda mais chocante: uma pediatra se recusou a continuar atendendo um bebê de um ano em função da filiação partidária da mãe. “A sensação, na hora, era de que tinham me dado um soco no estômago”, diz Ariane Leitão, que prometeu levar o caso às autoridades. O caso isolado provou ser uma epidemia de intolerância.
Lava Jato
A polarização do país se acentuou conforme a Lava Jato se aproximava do centro do poder no governo federal. A condução coercitiva do ex-presidente Lula, em 4 de março, e a divulgação de escutas em que ele aparecia falando com a presidente Dilma Rousseff acirraram ainda mais os ânimos.
Para o sociólogo José Szwako, do Iesp, o clima de intolerância tem relação com uma cultura autoritária que existe no país. “Isso não chega a ser novidade. Acredito que inclusive há características de fascismo em certos comportamentos que estamos observando”, diz ele. O fascismo, segundo ele, seria identificável pela atitude de quem não quer reconhecer o outro, quer subordinar o conflito político a uma hierarquia em que os demais devem ser anulados”, diz.
Ruas e redes sociais
Se nas ruas isso tem se agravado, nas redes sociais a polarização do país, acentuada pela Lava Jato e sobretudo, nos últimos dias, pelas investigações que envolvem o ex-presidente Lula, chega a extremos.
Cada opinião é rebatida, cada comentário é contestado e todos que se manifestam minimamente sobre a crise política acabam rotulados. Quando se trata de um desconhecido, bloquear pode ser a solução. Pior quando a situação acaba afetando membros de uma mesma família ou de um ambiente em que é preciso continuar convivendo apesar das divergências.
A estudante Deborah Miquelini Rodrigues de Oliveira, 17 anos, ainda não teve a chance de votar para presidente mas, politizada, já se viu em meio a discussões de família em grupos de WhattsApp. “Sou esquerdista, mas muita gente na minha família é de direita”, conta ela. “E tem um tio que é fã do Bolsonaro. No grupo de discussão, todo mundo ficou contra ele quando ele disse isso. Ele acabou saindo, mas disse que o motivo foi outro”, diz Deborah, achando a história divertida. Melhor levar no bom humor, afinal de contas.
Nem sempre isso é possível. A advogada Julia Gitirana, que se mudou com a família do Rio de Janeiro para Curitiba, conta que na semana em que Lula foi conduzido coercitivamente para depor à Polícia Federal, estava dirigindo com o marido e o filho pequeno no carro. Em um semáforo, manifestantes pediam que quem fosse a favor da prisão do petista buzinasse. Ela fez cara de paisagem e não buzinou. “Quando o sujeito viu que não íamos buzinar, veio para cima, chutou nosso carro, com um bebê dentro. Um horror”, conta.
Na família, Julia conta que também há dissensões, mas obviamente menos violentas. “Tem tias minhas que querem me converter, acham que minhas opiniões são só coisa de caçula”, ri. “Mas aí eu dou um jeito de dizer que amo elas apesar de não concordarmos em tudo”, diz. No fundo, talvez seja esse o melhor antídoto contra a epidemia.