Três brasileiros chegam ao Rio neste domingo depois de terem sobrevivido à passagem do furacão Katrina por Nova Orleans, na Louisiana. José Cândido Sampaio de Lacerda Neto teve que escapar de saques e tiros na cidade americana inundada, e o casal Antonio e Angela Medalha foi obrigado a passar praticamente as férias isolado em um hotel. Outros compatriotas , entretanto, ainda lutam para deixar a região americana devastada.
- Ele está em condição precária, está muito nervoso - desabafou Letícia Vandystadt, mulher do economista José Cândido, que aproveitara uma folga de um curso em Chicago para conhecer Nova Orleans. - Ele me disse que é preciso estar lá para entender tudo o que ele passou. Meu marido viu vários corpos largados nas ruas, e teve que fugir de tiros, porque as gangues atacam e o Exército está atirando em civis que fazem saques a lojas. Além disso, ele está há dias sem dormir e sem tomar banho e com comida escassa - acrescentou.
Letícia acusou o governo brasileiro de agir como uma "barata tonta" no resgate dos compatriotas isolados nos estado afetados pelo furacão no Sul dos EUA:
- O Itamaraty falhou com o meu marido e com todos os outros brasileiros que precisavam de ajuda. O governo simplesmente largou os brasileiros lá. Acabei fazendo assessoria para o governo. Eles me ligavam e pediam informação sobre o meu marido. Isso é um absurdo, afinal eram eles que deveriam me dar informações sobre o José Cândido! Eles nem sabiam onde ele estava, eu é que ajudava. Parecia barata tonta. Estou revoltada. O Itamaraty não tem estrutura para operar em uma situação dessas.
O Itamaraty respondeu, através de sua assessoria de imprensa, que tomou todas as providências cabíveis para o resgate dos brasileiros e que a área afetada está isolada pelo Exército americano, o que impede o acesso de autoridades brasileiras.
Depois de perambular pelas ruas de Nova Orleans por dois dias, José Cândido conseguiu seguir em um comboio de ônibus para a cidade de Alexandria, no centro da Louisiana. De lá, o economista tomou novo ônibus rumo a Baton Rouge, ainda na Louisiana, de onde continuou a viagem até Miami, na Flórida, última escala nos EUA antes do esperado retorno ao Brasil.
O engenheiro Antonio e a pedagoga Angela conseguiram escapar de Nova Orleans em um ônibus pirata até Baton Rouge. O casal decidiu então deixar a Louisiana e seguir a Dallas, no Texas, onde ficaram em um hotel à espera de vagas em um vôo de volta ao Brasil.
Já as estudantes Mônica Vassão, paranaense, e Letícia Figueiredo Alves da Silva Campos só voltarão ao Brasil em 13 de setembro, mas já estão longe do pesadelo que viveram no estádio Superdome, em Nova Orleans. Neste sábado, elas regressarão a Kansas City, onde realizam intercâmbio cultural e moram em casas de famílias americanas.
- Aprendi a apreciar mais a vida e as suas pequenas coisas, como um bom banho, uma boa comida. Aprendi também a não reclamar à toa de coisas insignificantes, diante de pessoas que haviam pedido tudo que tinha na vida. E, é claro, aprendi, a ser mais solidária - disse Mônica, por telefone, de Dallas.
Na cidade texana, Mônica e Letícia foram levadas a um hotel por uma equipe do consulado brasileiro em Houston. Lá, as duas puderam, enfim, fazer uma refeição completa e tranqüila. No Superdome, tiveram que lidar com o racionamento de alimentos e água, além do risco de serem atacadas por outros desabrigados.
- Mulheres e crianças foram estupradas - relatou Mônica.
Como eram minoria e o risco de agressão aumentava, Mônica e Letícia e os outros estrangeiros que estavam com elas foram conduzidos a um ginásio ao lado do Superdome, para onde haviam sido levados os mortos e os feridos. Do perigo da agressão passaram à possibilidade de contaminação. Mesmo assim, trabalharam como voluntários.
- A gente conversava, dava água e alimentos aos idosos. Eu não estava bem, mas havia gente pior do que eu. Precisava ajudar - comentou Mônica, com a voz embargada.
Entretanto o final feliz que o grupo que abandonou o Sul dos EUA está prestes a conseguir para sua história ainda é um desejo de outros brasileiros que viveram a tragédia americana. A jornalista Wanda Campos, que mora há cinco anos em Nova Orleans com o marido, o músico James Moore, ainda espera por ajuda para deixar a cidade. Embora o governo brasileiro tenha pedido ajuda a Washington para retirar o casal, Wanda disse que será socorrida por amigos brasileiros, que virão de carro de Metarie, cidade próxima de Nova Orleans, para ajudá-la. De lá, seguirão com outros amigos até Dallas, onde passarão alguns dias antes de retomar a vida nos EUA.
- O Departamento de Estado americano entrou em contato comigo, dizendo que o consulado brasileiro (em Houston) havia informado que eu estava na condição de pessoa desaparecida, que eu estava perdida. Eu não entendi nada, eu não estou desaparecida, só quero sair daqui - disse Wanda. - Graças a Deus, tenho amigos brasileiros que virão em uma van me ajudar. O problema é que estão atacando carros nas estradas. Estão assaltando e até matando para tomar os carros. Eles vêm com o carro cheio para se defender de agressores - emendou a carioca, que não pensa mais em morar em Nova Orleans.
Enquanto espera por ajuda, Wanda e James e seus dois inseparáveis gatos lidam com absoluta escassez, no segundo andar de um prédio que teve o piso inferior inundado:
- A minha água vai acabar. Estou com água só até a metade de uma lata de batata chips. Tenho ainda duas cebolas, três batatas e metade de um saco de pão. Também tenho três ovos, mas como eles saíram da geladeira não sei se ainda estão bons.
A família de Carlos Daniel Ribeiro da Silva espera notícias dele desde quinta-feira, quando o designer disse que tentaria chegar à Flórida para comprar combustível e mantimentos. Carlos Daniel, juntamente com a mulher e a filha de 9 meses, deixaram a pequena cidade de Long Beach, na Louisiana, onde moravam, no último domingo, e seguiu para a residência do sogro na região de Mobile, no Alabama, estado também fortemente atingido pelo Katrina.
- O consulado brasileiro em Houston disse não ter qualquer informação sobre os três. Eles não têm ajudado muito. Estão concentrando os esforços na área de Nova Orleans, mas meu irmão está se dirigindo para o leste, longe dali. No último contato que tivemos, ele disse que tentaria chegar à Flórida para conseguir água potável e combustível. Ainda nem pôde voltar para ver se a casa de madeira em que morava está de pé. Provavelmente ela foi para os ares. Ele colocou tudo o que podia no carro e foi embora antes que o furacão os levasse também - disse Samuel Ribeiro da Silva, irmão de Carlos Daniel.
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