Marcia Lopes e Gilberto Carvalho, ao lado do presidente Lula e da primeira-dama Marisa Letícia| Foto: Acervo da família
Os irmãos Gilberto Carvalho e Marcia Lopes, em foto da infância: da família humilde de Londrina aos altos escalões de Brasília
A ministra Marcia Lopes, em foto do dia de sua primeira comunhão, com os pais: família religiosa

Uma cuida do Bolsa Família. O outro, do próprio Lula. Na reta final do atual governo, as duas "joias" da gestão petista estão sob responsabilidade dos irmãos paranaenses Márcia Lopes, ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, e Gilberto Carvalho, chefe do gabinete da Presidência.

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Ela está no cargo desde abril, enquanto ele permanece como escudeiro do presidente desde a campanha presidencial de 2002. Nas últimas quatro décadas, porém, a história de ambos se cruzou poucas vezes até o reencontro em Brasília.

Apesar de não ser tão incomum – vide o caso dos senadores Alvaro e Osmar Dias –, a trajetória dos irmãos chama a atenção. E diz muito sobre as raízes do PT no Paraná.

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Marcia, 53 anos, e Gilberto, 59, são filhos de pioneiros humildes que desembarcaram em Londrina em 1938 (dois anos depois da fundação da cidade), vindos do interior de São Paulo. O pai foi vendedor de sapatos, garçom e no Natal fazia bico como Papai Noel. A mãe vendia marmitas e puxou os quatro filhos para a igreja.

Da favela ao Planalto

É no catolicismo que começa a história política da família. Os dois filhos mais velhos seguiram a vida religiosa. Marilena, que faleceu aos 47 anos, foi freira. Gilberto saiu de casa aos 11 anos para o seminário e, em vez de virar o padre bonachão que todos esperavam, foi parar no Palácio do Planalto.

Primeiro, fez noviciado em Cornélio Procópio (Norte Pioneiro) e então mudou-se para Curitiba, onde terminaria a educação religiosa. Na capital, formou-se em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná e começou a estudar Teologia na Pontifícia Universidade Católica.

No segundo ano do curso, descobriu que estava no caminho errado. Gilberto era membro da congregação palotina, grupo conservador de origem alemã. No começo dos anos 1970, entretanto, aderiu à tese de que os católicos deveriam optar preferencialmente pelos pobres, cerne da Teologia da Libertação. Desentendeu-se com os palotinos, abandonou a universidade e partiu voluntariamente para viver na miséria.

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Em 1976, foi morar na antiga favela da Vila São Paulo, no Uberaba, desalojada posteriormente devido à urbanização do Rio Belém. Pouco antes, foi trabalhar como operário não qualificado na companhia de plásticos Providência. Vivia com um salário mínimo por mês.

"Na verdade, queria ser lixeiro. Quanto mais na base da pirâmide social, melhor. Mas meu corpo não aguentava a correria", lembra o "Baixinho", como é chamado por Lula, ao se referir ao trabalho de catar o lixo. A inspiração era padre Alfredinho, suíço que ganhou fama por viver em comunidades miseráveis do Norte do país. A admiração permanece – Gilberto mantém uma foto do religioso na antessala do gabinete presidencial.

Em pouco tempo o abismo entre a realidade social brasileira e a atuação formal da Igreja o fez desistir de ser padre. "Mas eu nunca perdi a fé", afirma. Na favela, conheceu a primeira mulher, que era professora voluntária, e com ela teve três filhos (Gilberto ainda adotou outros dois no segundo casamento).

Na virada para a década de 80, ingressou no movimento sindical e, por tabela, conheceu Lula. A convivência desembocou na fundação do Partido dos Trabalhadores. "A origem do PT era um negócio tão rudimentar no Paraná que eu ia para as cidades que não conhecia para bater de porta em porta e tentar fazer filiações. Eu era como um vendedor de Avon." Em 1986, Gilberto concorreu a deputado federal e fez 25 mil votos. Não se elegeu por causa da legenda – que não fez votos suficientes.

Depois, presidiu o partido no estado por quatro anos e concorreu a vice-prefeito de Curitiba na chapa de Claus Germer, em 1988. Convocado por Lula, deixou o estado de vez para tocar em São Paulo o Instituto Cajamar, berço da Fundação Perseu Abramo, que cuida da formação política dos petistas. Galgou outros cargos no partido, como o de secretário nacional de Co­­municação, até que, em 2002, foi assessorar Lula na quarta tentativa de ser presidente.

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Com a vitória, permaneceu como o "faz-tudo" do Palácio do Planalto. "Sou o responsável pelo meio de campo entre Lula e todo mundo", explica. Cotado para ser presidente do partido no começo do ano, foi logo vetado pelo chefe. "Ele quis que eu ficasse aqui até o final do mandato. Não quer que o governo baixe o ritmo."

Graças à opção, viu de perto a irmã virar ministra.

De "boneca viva" a ministra

Ao começar a falar sobre a própria vida, a ministra do Desen-volvimento Social Marcia Lopes, frisa: "Adoro um discurso". Lembra que estreou na política aos 5 anos, quando ganhou o prêmio de "Boneca Viva" da paróquia – concurso comum no interior, no qual as meninas disputavam um título de beleza, mas que geralmente era vencido por aquela que vendia mais rifas que as concorrentes.

Mais velha, Marcia costumava acompanhar a mãe em visitas à prisão, onde oferecia pão-doce e rezava o terço com os detentos. "Sempre foi uma preocupação muito grande dos meus pais que tivéssemos espírito comunitário."

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Também influenciada pela mãe, começou a dar aulas de catequese aos 17 anos. Na época, fazia ao mesmo tempo política não partidária na paróquia, no grupo de jovens, no grêmio estudantil – em qualquer lugar. Somou todas as experiências e foi fazer o curso de Serviço Social na Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Seguiu no mesmo ritmo, no centro acadêmico e, já formada, no sindicato da categoria. Graças ao irmão, aderiu à Teologia da Libertação. Mas nunca pensou em ser freira – casou-se cedo e teve quatro filhos.

Logo depois de formada, tornou-se professora da UEL. Também ajudou na fundação e estruturação do PT no Paraná. Mas só entrou na política para valer em 1993, quando foi secretária municipal de Assistência Social de Londrina, durante a gestão do ex-prefeito Luiz Eduardo Cheida. No cargo, trocou experiências com o prefeitura de Belo Horizonte na época, Patrus Ananias.

Em 2000, elegeu-se vereadora de Londrina. No fim do mandato, em 2004, foi convidada para ser secretária nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social. Em pouco tempo, virou braço-direito do então ministro Ananias.

Com saudades da família, voltou para a Londrina e para a UEL em 2008. "Além de sentir falta dos filhos, ela saiu do ministério porque se enrolou toda pagando passagem de avião", conta o irmão, Gilberto. O exílio acabou em março, quando Ananias deixou o governo e convenceu Lula a colocá-la na vaga.

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O irmão, a pessoa mais próxima do presidente nos últimos 7 anos e meio nega ter feito lobby familiar. "Só fui saber do convite para ela assumir o ministério depois que já tinha sido feito e aceito."

Sobre o futuro, nenhum dos dois é enfático – tudo depende da eleição de outubro. O fato é que Lula deixará a Presidência e quase certamente sairá de cena. Mas o Bolsa Família, segundo todos os presidenciáveis, seguirá em frente. Só falta saber nas mãos de quem.