O busto do ex-reitor da UFPR Flávio Suplicy de Lacerda, que foi arrancado e arrastado pelas ruas de Curitiba nesta terça-feira (1º), em ato de descomemoração dos 50 anos do golpe militar, não deve ser reposto. Manifestantes esconderam a estátua e afirmam que ela só vai reaparecer quando as vítimas ligadas ao regime militar decidirem onde ela deve ser exposta, com a identificação de ser um agente da ditadura. Lacerda foi ministro da Educação entre 1964 e 1966 e um dos responsáveis pela tentativa de implantar o ensino pago nas universidades públicas durante o governo militar.
Em nota divulgada nesta quarta (2), o atual reitor da UFPR, Zaki Akel Sobrinho, lamentou o episódio da retirada do busto e disse que tomará "providências imediatas" para que ele seja recuperado e recolocado no jardim da Reitoria. O reitor escreve, na nota, que o ato seria compreensível pelo contexto dos 50 anos do golpe. "Porém, vivemos em um contexto completamente diferente, com o pleno funcionamento de todas as nossas instituições", argumentou. Ele diz ainda que Lacerda foi responsável pela reforma e construção de vários prédios da infraestrutura da universidade e por isso foi homenageado com o busto [leia a nota na íntegra abaixo].
O ato repetiu o mesmo que havia sido feito em maio de 1968. Estudantes da UFPR , principalmente ligados ao movimento estudantil, arrancaram o busto de Lacerda, jogaram tinta e arrastaram a estátua pelo calçadão da XV de Novembro. Na Boca Maldita, membros de outros grupos sociais, como o Tortura Nunca Mais, se juntaram ao ato. "Infelizmente, em 2014, ainda temos uma homenagem a um agente da Ditadura. Ele [Lacerda] foi reitor e ministro, mas perseguiu e mandou torturar estudantes. Se hoje a universidade é democrática, a homenagem deveria ser para quem construiu a democracia", afirma Gabriela Caramuru, aluna de Direito da UFPR.
Suplicy foi o responsável por costurar com os EUA os acordos chamados de MEC-Usaid, que promoveram uma série de reformas no sistema educacional brasileiro. A ideia central era que a educação deveria ser um pressuposto para o desenvolvimento econômico. Uma das medidas previa a implantação do ensino pago nas universidades, que começaria pelos calouros de 1968 da UFPR.
Os veteranos, porém, comandaram um boicote e 93% dos novos alunos pediu isenção do pagamento. Diante da insistência da União em cobrar a mensalidade, os estudantes tomaram a reitoria e derrubaram o busto de Suplicy. As ações resultaram no recuo do governo e o ensino superior continuou gratuito.
Ao mesmo tempo, Lacerda colaborou com a federalização da UFPR e foi o responsável pela construção de vários marcos atuais da universidade durante sua gestão, como o prédio da Reitoria e o Hospital de Clínicas.
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Nota oï¬cial da UFPR - Busto do Reitor Flavio Suplicy de Lacerda
A Reitoria da UFPR lamenta o episódio da retirada do busto em bronze do Reitor Flávio Suplicy de Lacerda de seu pedestal nos jardins do Complexo da Reitoria e as subsequentes agressões e pichações realizadas por um grupo de manifestantes.
Seria possível compreender tal ato no contexto do aniversário de 50 anos do Golpe de 1964, ocorrido neste dia 1º de Abril. Procuraram repetir, assim, o mesmo gesto das manifestações de protesto ocorridas em 1968 neste mesmo local. Porém vivemos um contexto completamente diferente, com o pleno funcionamento de todas as nossas instituições, tendo cada cidadão exercício completo de suas liberdades democráticas.
Por isso mesmo queremos manifestar nossa posição contrária a qualquer ato que traga danos ao patrimônio público, principalmente a um conjunto arquitetônico tombado pelo patrimônio histórico, do qual somos ï¬éis depositários como dirigentes da UFPR.
Cabe reï¬etirmos sobre os alegados motivos para tal condenação. Não podemos apagar a história, nem tampouco reescrevê-la. O reitor Flávio Suplicy de Lacerda foi um dos líderes do intenso esforço que resultou na federalização da Universidade do Paraná, contribuindo assim para que tivéssemos a primeira universidade pública e gratuita de nosso Estado. Durante sua gestão houve um grande salto em nossa infraestrutura, com a reforma do Prédio Histórico da Santos Andrade, a construção do Complexo da Reitoria (Edifício Dom Pedro I , Edifício Dom Pedro II , Teatro da Reitoria e Edifício da Reitoria) além da Biblioteca Central, Casa da Estudante Universitária de Curitiba, do Hospital de Clínicas e do Complexo do Centro Politécnico. Foi exatamente para expressar a gratidão por este trabalho, que a Faculdade de Filosoï¬a, Ciências e Letras mandou confeccionar este busto em bronze, instalando-o nos jardins logo abaixo de seu novo prédio, em 1958.
Como muitos brasileiros, o reitor Suplicy apoiou o Golpe Civil Militar. Foi nomeado Ministro da Educação do primeiro governo militar do General Castelo Branco, permanecendo no cargo entre 15 de abril de 1964 até 10 de janeiro de 1966. Por mais controversas que tenham sido suas ações e intenções durante esta passagem pelo governo federal, não nos cabe permitir ataques ao nosso patrimônio histórico, muito menos a memória de um dos nossos professores que exerceu o cargo de Reitor por dois períodos, totalizando quase 19 anos como dirigente máximo.
Tomaremos providências imediatas no sentido de contarmos com a atuação da Comissão da Verdade da UFPR para que recuperemos este importante artefato e possamos recolocá-lo no lugar que lhe foi destinado pela nossa comunidade há mais de 56 anos.
Que as futuras gerações possam visitar cada um de nossos campi livremente, conhecer nossa trajetória histórica com todas as lutas e contradições, avaliando a biograï¬a de todos os homens e mulheres que ajudaram a escrever esta saga maravilhosa, dentro do seu contexto temporal, julgando com seu próprio pensamento a contribuição de cada um, colocando no devido lugar a todos nós. E preservando nossa memória, verdade e justiça!
Curitiba, 02 de abril de 2014.
Prof. Dr. Zaki Akel SobrinhoReitor da UFPR
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