Vício de iniciativa é um problema nacional
O sistema político brasileiro ajuda a explicar o alto número de projetos vetados pela Comissão de Legislação e Justiça. Para o sociólogo Julio Roberto de Souza Pinto, professor do mestrado profissional da Câmara Federal, o excesso de projetos barrados não é uma peculiaridade da Câmara de Curitiba. Como os parlamentares brasileiros são livres para apresentar proposições individualmente ao contrário de outros países, como a Espanha, onde a iniciativa deve partir de bancadas , o número de propostas tende a ser exagerado.
Para evitar uma "inflação legislativa", que causasse insegurança jurídica e até a inviabilização das votações no parlamento, são necessários filtros políticos para que apenas propostas politicamente viáveis se tornem leis. As comissões acabam fazendo esse papel. Esse fenômeno ocorre também nas assembleias e no próprio Congresso.
Outra questão natural das instituições brasileiras que dificulta a produção legislativa dos vereadores (e também de deputados e senadores) é o alto número de matérias consideradas de competência exclusiva do poder Executivo. Para Souza Pinto, isso dificulta a atuação da Câmara como uma legisladora, mas possibilita que ela exista como instância de controle do Poder Executivo pela sociedade.
A maior parte da produção da Câmara de Vereadores de Curitiba sequer chega ao plenário. Somente na atual legislatura, 110 projetos já foram barrados pela Comissão de Legislação e Justiça (CLJ) a maioria por vício de iniciativa. Outros 163 projetos de lei dos vereadores foram sancionados, mas apenas 25 podem ser considerados "relevantes" os outros são datas comemorativas, nomes de rua e títulos de cidadão honorário, vulto emérito e utilidade pública. Em comparação, a Câmara aprovou 61 projetos de autoria do prefeito Gustavo Fruet (PDT).
INFOGRÁFICO: Veja quantos projetos da Câmara foram considerados ilegais ou inconstitucionais
A CLJ é a principal comissão da Câmara, e tem como principal função analisar se as propostas apresentadas pelos vereadores são constitucionais. Antes de chegar ao plenário, todos os projetos de lei têm de, obrigatoriamente, ser aprovados pela comissão que pode também arquivar ou devolver o projeto ao autor, para que ele corrija eventuais equívocos.
Das propostas barradas, a maioria foi arquivada por vício de iniciativa quando a proposta tem de ser obrigatoriamente apresentada ou pelo Executivo (68 casos) ou são privativas do estado ou da União (28 casos). Vinte projetos foram barrados por já existirem leis similares, enquanto 16 foram considerados inconstitucionais por interferirem na livre iniciativa privada. Várias dessas propostas foram barradas por mais de um motivo.
Presidente da CLJ, o vereador Pier Petruzzielo (PTB) considera que muitos vereadores, por pressa em satisfazer uma determinada parcela de seu eleitorado, apresenta matérias que fogem de sua competência. "A ansiedade acaba fazendo com que esses projetos venham de forma equivocada, e eu não posso deixar tramitar um projeto que vai ser vetado por inconstitucionalidade pelo prefeito", afirma.
Pier diz que, para tentar reduzir o número de projetos vetados, tem conversado pessoalmente com alguns vereadores para que evitem apresentar projetos que fujam de sua competência. Um exemplo é o do vereador Dirceu Moreira (PSL), que apresentou seis projetos disciplinando a carreira de enfermeiros todos eles barrados por vício de iniciativa.
O vereador considera que a instalação da Escola Legislativa, que está sendo implementada atualmente, pode ajudar os parlamentares a restringirem o número de projetos inconstitucionais apresentados. Ainda assim, ele considera que o "bom senso" seria a melhor forma de resolver o problema.
Excesso de rigor
Nem todos os vereadores, entretanto, concordam com os critérios utilizados pela CLJ. Para Jorge Bernardi (PDT), o alto número de projetos barrados se deve mais a um excesso de rigor do que, de fato, à inconstitucionalidade dos projetos. Em seu entendimento, a comissão deveria barrar apenas projetos "flagrantemente inconstitucionais", e deixar tramitar os que ficam em uma zona cinzenta.
Ele diz, entretanto, que isso melhorou do ano passado para agora.
Renovação não é desculpa
A renovação que a Câmara de Curitiba teve nas eleições de 2012 poderia servir como explicação para o alto número de projetos inconstitucionais apresentados. Entretanto, os números dizem exatamente o contrário. Dos 110 projetos barrados, apenas 29 partiram de vereadores novatos. Os três vereadores com mais projetos barrados são "veteranos" na Câmara: Dirceu Moreira (PSL, 31 propostas) e Professor Galdino (PSDB, 13 propostas) estão na Casa desde 2009, enquanto Jorge Bernardi (PDT, oito propostas) está em seu sétimo mandato.
Para o sociólogo Julio Roberto de Souza Pinto, professor do mestrado profissional da Câmara Federal, parlamentares têm o costume de apresentar projetos sem considerar a viabilidade técnica e política. Assim, aparecem em estatísticas como "produtivos", o que tem apelo eleitoral. Muitas vezes, entretanto, isso ocorre por ingenuidade ou falta de conhecimento das limitações.
Presidente da Comissão de Legislação e Justiça (CLJ), Pier Petruzzielo (PTB) admite que há competição entre os vereadores sobre quem apresenta mais projetos.
Os mais barrados
"Campeão" de projetos barrados, Moreira acredita que a comissão, às vezes, exagera no rigor, mas que também há uma "ânsia de apresentar bons projetos" que faz com que vereadores apresentem projetos fora de sua alçada. O vereador diz ter reapresentado seus projetos barrados como sugestão ao Executivo. Já Galdino diz que seus projetos são barrados mais por motivos pessoais e políticos do que jurídicos. Ele diz que, por comprar inúmeras brigas com a maioria dos vereadores, seus projetos sofrem boicote.
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