Propostas com apelo eleitoral têm motivado a rebeldia momentânea da Câmara dos Deputados contra o governo. Emparedados pelo lobby de setores sociais e econômicos, os parlamentares podem aprovar projetos que beneficiam policiais militares (PMs), aposentados, agentes de saúde, servidores públicos, juízes e seringueiros. Apesar de populares, as mudanças oneram os cofres da União e criam um passivo que terá de ser administrado pelos próximos presidentes.
"Nossas contas mostram que movemos pelo menos 10 milhões de eleitores. Vai ficar complicado explicar para eles que a proposta vai ser derrubada pelo governo ou vai ficar engavetada", diz o presidente da União dos Servidores em Segurança Pública (Ussep), Marcelo Anastácio. Cabo da PM de Minas Gerais, ele é um dos principais articuladores das manifestações a favor da PEC 300/08. O texto estabelece o piso salarial nacional de R$ 3,5 mil para policiais e bombeiros militares.
A Ussep e outras entidades do setor promoveram pelo menos duas grandes "invasões" dos corredores da Câmara neste ano, em fevereiro e no começo de março. Cerca de mil policiais fizeram corpo a corpo com os parlamentares para divulgar a proposta. Ela começou a ser apreciada no último dia 3, mas logo deixou de ser inserida na pauta.
A pressão fez o governo trabalhar, no último dia 10, pelo congelamento da votação de todas as 64 propostas de emenda constitucional (PECs) prontas para serem apreciadas em plenário. A intenção era suspender qualquer votação de PEC, mas vários partidos protestaram e um acordo determinou que as legendas preparassem uma lista de prioridades para o semestre. A definição dessa lista, que deveria ocorrer nesta semana, foi adiada por pelo menos mais dez dias.
O medo de alguns parlamentares petistas é que os deputados criem uma conta que o governo não consiga pagar. Estimativas do Ministério do Planejamento apontam que só a PEC 300/08 aumentaria em até R$ 32 bilhões o orçamento anual da União. "Se aprovarmos essa e algumas outras propostas, nossas contas viram um Deus nos acuda", diz o ministro Paulo Bernardo.
Além desse caso, há outras quatro propostas do gênero. De acordo com a PEC 270/08, os servidores públicos aposentados por invalidez teriam direito a receber os salários integrais. Já a PEC 270/08 garante estabilidade aos agentes de saúde das Fundação Nacional de Saúde que trabalham no combate a endemias há mais de nove anos.
Já os seringueiros teriam os mesmos benefícios concedidos aos ex-combatentes de guerra, como pensão especial, caso seja aprovada a PEC 556/02. Outras duas propostas beneficiam juízes. A PEC 210/07 restabelece o adicional por tempo de serviço e aumenta os salários dos magistrados e de membros do Ministério Público. Já a PEC 3/07 libera as férias coletivas nos juízos de segundo grau.
"O lobby popular de qualquer que seja o setor é válido, mas nesse momento pré-eleitoral a pressão deixa todos os parlamentares espremidos contra a parede", diz o deputado paranaense André Vargas (PT). Segundo ele, o governo está correto ao ter cautela com a aprovação de PECs. "Estamos falando em colocar mais regras na Constituição, quando na verdade ela deveria ter um texto bem mais enxuto."
Líder da minoria na Câmara, o também paranaense Gustavo Fruet (PSDB) concorda com a tese governista. "Já aprovamos mais PECs agora do que durante a Revisão Constitucional (em 1993), o que é um dado alarmante." Nesta Legislatura (que começou em fevereiro de 2007), já foram aprovadas pelo plenário da Câmara 14 PECs sete delas apenas em 2009. Na revisão de 2003, foram apenas seis.
Vargas e Fruet afirmam que muitos dos 64 textos prontos para serem apreciados pelo plenário poderiam ter sido debatidos com mais profundidade nas comissões especiais. Casos como o da emenda sobre o piso salarial dos PMs possivelmente terão a constitucionalidade contestada no Supremo Tribunal Federal. "É muito complicado querer inserir questões como piso salarial na Constituição", afirma Fruet.
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