Análise
Afastamento pode ser vantajoso
Além da batalha pessoal contra o câncer, o tratamento do ex-presidente Lula pode obrigá-lo a se afastar por tempo indeterminado do centro das decisões políticas do governo e do PT, seu partido. Nas próximas eleições municipais, a presença de Lula em palanques e no horário eleitoral era uma esperança dos pré-candidatos do PT e de aliados. No entanto, analistas políticos ouvidos pela reportagem acreditam que o afastamento pode ser politicamente vantajoso para o líder petista desde que o tratamento seja bem sucedido.
O sofrimento imposto pela quimioterapia que fará o ex-presidente aparecer sem cabelo e sem barba pela primeira vez poderá tornar a influência de Lula nas próximas eleições ainda mais forte, avalia o cientista político Alberto Carlos de Almeida. "Pela gravidade da doença, ele se torna uma figura inatacável. Se o desfecho for positivo, o mito fica fortalecido."
Já para o cientista político Sérgio Amadeu da Silveira, o tratamento, apesar de limitar-lhe a comunicação e a mobilidade, pode resguardar Lula da hiperexposição de uma campanha eleitoral em 2012. "Ele sabe de sua importância como líder político com posicionamento e que, portanto, tem mais a perder ao se tornar uma um figurinha fácil em palanques Brasil afora."
Hedeson Alves/Arquivo/ Gazeta do Povo"Pela gravidade da doença, ele [Lula] se torna uma figura inatacável. Se o desfecho for positivo, o mito fica fortalecido." Alberto Carlos Almeida, cientista político
Petista mostra força ao tirar Marta da disputa pela prefeitura de SP
Por pressão do ex-presidente Lula e da presidente Dilma Rousseff, a senadora Marta Suplicy (PT-SP) anunciou ontem que desistiu da disputa à prefeitura de São Paulo em 2012. "Fiquei muito sensibilizada com o pedido da presidente e do ex-presidente Lula", disse Marta. Com isso, o PT deve lançar o ministro da Educação, Fernando Haddad, na eleição do ano que vem. Haddad foi indicado por Lula, que estava trabalhando há meses pelo nome do ministro.
Ex-presidente dá palpites ao Planalto e se queixa da ONU
Apesar do tratamento de câncer, o ex-presidente Lula continua dando "palpites" ao governo federal. O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, por exemplo, recebeu uma ligação telefônica do ex-presidente na qual ele reclamou "iradíssimo" sobre a supostamente "injusta" avaliação do estudo realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), que pôs o Brasil em 84.º lugar entre 167 países no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
A notícia de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem câncer na laringe e de que fará o tratamento no Hospital Sírio-Libanês, um dos centros médicos privados mais renomados e caros de São Paulo, deflagrou uma virulenta "batalha virtual" entre críticos e defensores do petista nas redes sociais da internet. De um lado, há quem cobre o ex-presidente para que ele use o sistema de atendimento público de saúde, o SUS, para o tratamento de sua doença. Nesse grupo, há ainda os que extrapolam essa simples cobrança, chegando a desejar o mal ao ex-presidente. Do outro, as manifestações a favor de Lula enxergam em sua luta contra o câncer virtudes que o aproximam da "santidade".
O assunto chegou a ser um dos mais comentados no Twitter durante a semana. O nível dos debates, porém, reabriu questionamentos sobre a ética e os limites dos comentários na internet.
Argumento
O movimento contra Lula usa como principal argumento uma declaração do ex-presidente, em janeiro de 2010, durante a inauguração de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) na região metropolitana do Recife (PE). "Eu tava visitando a UPA, e eu tava dizendo que ela tá tão bem organizada, ela tá tão bem estruturada, que dá até vontade de a gente ficar doente para ser atendido aqui", disse Lula à época. Em outra ocasião, Lula chegou a dizer que os hospitais públicos estavam próximos da perfeição.
Para o cientista político Wilson Ferreira Cunha, professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), o discurso populista de Lula pode justificar a indignação de parte da população, mas não a "exacerbação" nas opiniões.
"Os usuários sabem que, em regra, não é verdade que os hospitais públicos sejam bons", afirma Cunha. "A doença do Lula poderia ser usada para sublinhar aspectos negativos de políticas públicas de saúde, porém isto não deve acontecer pelo marasmo e pela falta de um projeto coeso de oposição", diz ele.
O uso excessivo do marketing político pelo ex-presidente, contudo, não legitimaria o mau gosto e a violência expressa em comentários em blog e sites. "A internet é um espaço democrático em que os grupos de ambas as cores viram um coletivo sem rosto e, por isso, mais corajoso e desleal", afirma Cunha.
O cientista político destaca que, no entanto, o presidente "nunca fez questão de amenizar os ânimos". "Ao contrário, sempre que pôde, deu declarações para incendiar o confronto [entre o PT e a oposição]", diz Cunha.
Já para Sérgio Amadeu da Silveira, professor de Ciência Política da Faculdade Cásper Líbero (SP), essas manifestações são ainda reflexo da campanha presidencial do ano passado em que o debate foi "radicalizado até às agressões absurdas e à intolerância". Ele avalia, porém, que os extremismos não entram à sério na pauta política. "Felizmente, nenhum político da oposição avaliza essas práticas que são politicamente contraproducentes", destaca.
Para a especialista em comunicação política Luciana Panke, a personalidade e a figura do ex-presidente despertam paixões e provocam o enfrentamento. "É difícil encontrar reação neutra, indiferente em relação ao Lula. Ou você o ama ou o odeia", diz ela.
Luciana afirma ainda que o embate também demonstra que a tendência de divisão entre PT e PSDB na disputa do poder provoca as distorções dos argumentos das "torcidas organizadas" de ambos os lados. "Se Lula optasse por se tratar no SUS, por exemplo, provavelmente o chamariam de hipócrita por, apesar de ter dinheiro, se tratar na rede pública e ocupar o lugar de um paciente carente."
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