A ministra Cármen Lúcia assumirá nesta segunda-feira (12) a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) com a intenção de devolver à mais alta Corte do país a discussão de grandes temas. Na visão dela, isso implica em voltar os olhos às minorias e aos assuntos sociais. Já na primeira semana de gestão, incluiu na pauta de julgamentos uma discussão polêmica: saber se há prevalência da paternidade afetiva sobre a biológica. O plenário também vai julgar processos sobre direitos trabalhistas e decidir se é dever do poder público fornecer medicamentos de alto custo a pacientes com doenças graves.
A primeira semana na presidência será agitada. Cármen Lúcia chamou os 27 governadores para conversar sobre processos de grande impacto, a exemplo das dívidas dos estados com a União e os expurgos dos planos econômicos das décadas de 1980 e 1990. Um assunto que pode surgir na reunião é o impacto do reajuste salarial dos ministros do STF nos cofres estaduais. Magistrados de todo o país têm os vencimentos reajustados a partir de percentuais da folha de pagamentos dos integrantes do Supremo.
Perfil: Cármen Lúcia, a combativa entra em cena
Leia a matéria completaCármen Lúcia vai comandar ainda, pelos próximos dois anos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um órgão tradicionalmente fragmentado por lutas corporativas de magistrados. Ela também quer valorizar o viés social do conselho, dando atenção à população carcerária, especialmente a feminina. E pretende continuar, agora em proporções maiores, sua luta contra a violência doméstica, com o incentivo à instalação de mais varas de atenção às mulheres vítimas de agressões.
Transição tensa
Já nos primeiros dias à frente do CNJ, a ministra vai assinar uma resolução que institui medidas para evitar a prática de tortura a presos. O texto já estava pronto para ser divulgado na gestão de Ricardo Lewandowski. Mas a ministra pediu que o lançamento da norma fosse adiado, porque fazia questão de participar do evento como presidente do órgão.
A transição entre a gestão de Lewandowski e a de Cármen Lúcia não fluiu bem. Amigos há mais de 30 anos, os dois se desentenderam ao longo da presidência do ministro no STF, especialmente por divergência de opiniões. A exemplo dos dois ministros, as equipes deles também não se falaram. Na última semana, Lewandowski queixou-se a interlocutores de que a relação com a colega degringolou.
Uma das divergências entre os dois é sobre o pagamento de diárias para juízes auxiliares do CNJ. Lewandowski manteve o benefício, para ajudar os magistrados que se deslocam a Brasília para assumir cargos no CNJ no pagamento de estadia e passagem. Cármen Lúcia já anunciou que não vai pagar diárias em sua gestão. Por conta disso, tem enfrentado dificuldade para montar a equipe. Não há ainda ocupantes para os três cargos de juízes auxiliares no conselho.
Internamente, Cármen Lúcia terá de vencer a resistência de outros colegas. Em caráter reservado, ministros a criticam por não ter uma visão maior para o futuro do STF — como a diminuição da quantidade de processos que chegam à Corte ou um plano de trabalho para orientar melhor as decisões do tribunal. No entanto, os ministros consideram positivo o fato de ela ser mulher, falar em nome do gênero e ser uma pessoa idônea.
A ministra também tem pela frente o desafio de “unir o Judiciário”, como ela mesma disse na semana passada diante dos colegas. A gestão Lewandowski foi marcada pelo diálogo corporativo com a magistratura, que foi representada largamente nos pedidos de reajuste da categoria enviados ao Congresso Nacional. Na gestão anterior, de Joaquim Barbosa, ocorreu o contrário: o então ministro se recusava a dialogar com os juízes de instância inferior.
Cármen Lúcia já recebeu entidades da magistratura e se mostrou aberta ao diálogo — não apenas sobre os vencimentos, mas sobre a gestão. O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo Costa, disse que a ministra gostou do projeto da entidade sobre gestão judiciária. A ideia é realizar um estudo sobre o perfil dos processos para resolver as pendengas antes de elas chegarem à Justiça. O projeto está sendo implantado por meio do CNJ.
“O ministro Lewandowski se aproximou muito da magistratura. Houve uma participação da base, uma democratização maior das políticas nacionais. A expectativa é que a ministra Cármen Lúcia trabalhe com a mesma ideia, buscando uma maior aproximação do primeiro grau. A expectativa é que ela valorize o juiz de primeiro grau”, disse Costa.
Sob Cármen Lúcia, STF deve ficar mais rigoroso, menos político e mais progressista
Leia a matéria completaÀs vésperas de tomar posse, Cármen Lúcia foi ofuscada pela crise política e, mesmo sem tomar partido na disputa que culminou no impeachment da presidente Dilma Rousseff, a ministra diz que o clima no país não é de festa. Por isso, nos últimos dias, abandonou as indefectíveis roupas brancas, que foram substituídas por modelos pretos de saia ou vestido. Desistiu da festa de posse, oferecida tradicionalmente aos ministros que assumem a presidência do STF em uma casa de eventos de Brasília. Normalmente, as associações custeiam a celebração. Cármen Lúcia disse que não gosta de festa, só de processo.
Para o evento de posse no STF, foram despachados quase dois mil convites. Entre as presenças confirmadas está o presidente Michel Temer. Católica, a ministra fez questão de convidar vários padres, que também confirmaram presença. Caetano Veloso vai cantar o Hino Nacional em plenário.
Ao assumir a presidência, Cármen Lúcia deixará para trás um acervo de 3.275 processos, o mais enxuto do STF. As ações serão transferidas para Lewandowski. Entre as causas, está a distribuição dos royalties e processos relativos à Operação Zelotes, que estão em segredo de justiça.
Não é só de processo que a ministra gosta. Nos finais de semana, costuma assistir a filmes, ler livros de literatura brasileira e ouvir música. Não é adepta dos exercícios físicos. Gosta de dizer que faz ela mesma a tarefa doméstica. Solteira e sem filhos, mora sozinha em um amplo apartamento funcional na Asa Sul, em Brasília. A ministra dirige o próprio carro de casa para o STF. Dispensa carro oficial e motorista. Quando viaja para atender a compromissos oficiais, se recusa a receber diária.
Como presidente do tribunal, deverá manter a rotina de sempre, que começa às 5h da manhã. Costuma almoçar no tribunal, às vezes pede um sanduíche no gabinete para não interromper a rotina de trabalho. A diferença é que, agora, com a importância do cargo, pediu reforço na segurança. A equipe terá mais duas agentes da Polícia Federal.
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