A deflagração da operação Carne Fraca pela Polícia Federal na última sexta-feira (17) é mais sinal da crise institucional entre a PF e o Ministério Público Federal (MPF), que tem a Lava Jato como pano de fundo. A operação, que ganhou manchetes e centrou as atenções na sexta-feira, ocorreu no mesmo dia em que a Lava Jato completou três anos da deflagração, em 2014. Na linha de frente as investigações, o delegado Maurício Moscardi Grillo afirmou durante a coletiva que a escolha da data foi proposital. O objetivo seria usar o dia como mais um elemento para chamar a atenção para a situação de corrupção sistêmica que assola o país. Mas, nos bastidores, a escolha da data foi encarada como uma forma de ofuscar a Lava Jato – ou melhor, o MPF.
A entrevista coletiva da PF sobre a Operação Carne Fraca ocorreu algumas horas antes da coletiva de imprensa concedida pelo MPF para apresentar um balanço dos três anos da Lava Jato, anunciada dias antes. No evento do MPF, os procuradores Paulo Galvão, Carlos Lima e Deltan Dallagnol, ao lado do procurador da Secretaria de Cooperação Internacional Vladimir Aras e do procurador britânico Marc Brown, apresentaram dados referentes ao número de investigados, processados e condenados.
Enquanto os procuradores do MPF faziam um balanço dos três anos da Lava Jato e a importância da cooperação jurídica com outros países para as investigações, os olhos do Brasil estavam voltados para as revelações da Carne Fraca. A operação, que mostrou um esquema de corrupção envolvendo o mercado de carnes no Brasil e agentes agropecuários, foi assunto do fim de semana e ofuscou o aniversário da Lava Jato.
A assessoria de imprensa da Polícia Federal, porém, negou que a Carne Fraca tenha sido deflagrada no mesmo dia do aniversário da Lava Jato para competir com o balanço do MPF sobre a operação. Segundo a PF, uma operação do porte da Carne Fraca demanda mais de 30 dias de planejamento para ser desencadeada e a PF não tem interesse em prejudicar a Lava Jato, pois trabalha junto com o MPF nas investigações.
Acordo de delação da Odebrecht é motivo da discórdia
O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Carlos Eduardo Sobral, já admitiu publicamente que há um “cabo de guerra institucional” entre Polícia Federal e Ministério Público Federal. Em entrevista ao site jurídico Jota, Sobral afirmou que a Lava Jato ficou maior para o MPF e a sociedade tem a impressão de que a PF é apenas “cumpridora de mandados”. Ele atribui a perda de espaço da PF à publicidade feita pelos procuradores do MPF e ao apoio institucional – e orçamentário – às investigações, que seria maior no caso do Ministério Público.
A insatisfação da Polícia Federal com o MPF se agravou durante as tratativas para os acordos de colaboração premiada com os executivos da Odebrecht. O MPF fez a negociação sozinho, alegando que a PF não precisa participar de acordos de delação. A Polícia Federal, por sua vez, defende que também é uma prerrogativa dos delegados fazer acordos com os investigados.
Em entrevista à Gazeta do Povo sobre os três anos da Lava Jato, a delegada Renata Rodrigues deixou transparecer essa insatisfação. Disse que não é possível para os investigadores da Polícia Federal terem noção do tamanho da delação da Odebrecht, uma vez que não participaram da negociação. Aproveitou para alfinetar o MPF.
“A gente acredita que colaborações como a Odebrecht vão trazer fatos inéditos. A gente espera, esse é o objetivo da colaboração, pelo menos, trazer fatos inéditos, não só trazer fatos que a gente talvez já tivesse conhecimento aqui e tivesse condições de responsabilizar as pessoas”, disse a delegada.
Em outubro do ano passado, o delegado Marcio Anselmo, que iniciou as investigações da Lava Jato, também demonstrou insatisfação com o Ministério Público. Disse em entrevista à Gazeta do Povo que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, estava “em uma cruzada contra a polícia”. Na época, Anselmo reclamou que é comum que a polícia fique “refém” e seja surpreendida por acordos de colaboração negociados apenas com o MPF
A reclamação era uma referência à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada por Janot no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre itens da Lei das Organizações Criminosas. Janot questiona na ação os pontos relacionados a acordos de delação premiada propostos ou travados por policiais.
Antes das delações premiadas, a condução dos depoimentos no âmbito da Lava Jato foram o motivo de desentendimento entre Polícia Federal e Ministério Público Federal. Em 2015, os procuradores ficaram incomodados com a decisão da PF de marcar depoimentos de investigados sem consultar previamente o MPF.
A insatisfação chegou a Janot. O procurador-geral da República chegou a dizer que cabe ao MPF definir a estratégia de investigação da Lava Jato. A PF reagiu; afirmou que o STF não determina a ordem de preferência para a tomada de depoimentos e que todas as oitivas foram realizadas na presença de representantes do próprio Ministério Público.
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