O processo de cassação contra o presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), é o mais longevo a tramitar no Conselho de Ética da Casa desde que foi instituída a exigência de parecer preliminar, em 2011. De lá para cá, foram analisados 20 casos. Descontado o recesso parlamentar, o processo de Cunha alcançou a marca de 80 dias de tramitação sem que tenha sido apreciado o parecer prévio. Com isso, supera o tempo que levaram os processos contra Rodrigo Betlhem (PMDB-RJ) e Devanir Ribeiro (PT-SP): 77 dias cada um.
O prazo é quase o dobro da média de duração desta fase nos demais processos, que é de 40 dias. Um processo contra o deputado Roberto Freire (PPS-SP) tramita também pelos mesmos 78 dias, mas neste caso o próprio partido que fez a denúncia, o PCdoB, já desistiu e tentou suspender o processo, o que foi negado por Cunha.
Relembre casos anteriores no Conselho
O parecer preliminar é uma fase anterior à discussão do mérito do processo. Não se debate, neste momento, se o representado é culpado ou inocente. Apenas se há elementos que mereçam ser investigados. Mas, na prática, não é o que tem ocorrido, como demonstra o caso de Cunha. Já no debate preliminar, apoiadores e opositores do acusado expõem suas posições sobre como votarão. Por isso, as discussões acaloradas já começam nesta fase.
O Conselho de Ética se reúne nesta terça-feira (23) para discutir mais uma vez o caso Cunha. Semana passada, o relator do caso, Marcos Rogério (PDT-RO), apresentou novo parecer preliminar defendendo a admissibilidade do processo. Em 15 de dezembro, o conselho chegou a aprovar parecer semelhante, mas o primeiro vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), anulou a decisão, argumentando que era necessário abrir novo prazo para vista e discussão.
O processo contra Cunha foi instaurado em 3 de novembro do ano passado. Para atrasar a tramitação, ele e seus aliados esvaziaram sessões, abriram votação em plenário para evitar o trabalho do conselho, destituíram o primeiro relator, Fausto Pinato (PRB-SP), anulando a votação pela admissibilidade, entre outras manobras.
“O Brasil inteiro sabe por que ocorre essa demora. É a primeira vez que o conselho julga um presidente da Casa. Todo mundo vê as medidas protelatórias que o grupo que acompanha o presidente têm feito, de todas as formas, para atrasar o processo”, diz o presidente do colegiado, José Carlos Araújo (PSD-BA).
Em sua defesa, Cunha afirma que a tramitação lenta deve-se a erros que vêm sendo cometidos pelo próprio Araújo.
“Não tem qualquer manobra. Não tenho culpa se erram propositadamente me obrigando a buscar meus direitos. Esses erros, como já falei, parecem propositais para se manterem na mídia e me causarem desgaste”, disse Cunha ao Globo, por mensagem de texto.
O deputado Chico Alencar (RJ), do PSol, partido que representou contra Cunha no conselho de Ética, disse que nunca um processo foi tão “protelado, embarreirado e recorrido”. O parlamentar diz que existem dois Cunhas: um que se apresentou para depor espontaneamente na CPI da Petrobras, negando ter contas no exterior, e que se apresentaria sempre para esclarecer os fatos, e outro, denunciado no conselho e que nem sua defesa prévia apresentou.
“O presidente da Câmara disse, à época, que iria esclarecer tudo, que não tinha nada a temer e que não precisava nem ser convocado. E foi aplaudido por líderes de quase todos os partidos. Agora, atua diametralmente contra o que inicialmente havia prometido. Ele nunca apareceu no conselho, despreza o órgão. E usa o cargo para obstruir ao máximo”, disse Alencar.
O parlamentar do PSol continua listando o que ocorreu após Cunha ser representado.
“Nunca houve tanta reversão em decisões do conselho e nunca também tanta pressão para se trocar integrantes do conselho e nem tantos recursos ao Supremo. Eduardo Cunha estará sempre a inventar uma chicana, uma artimanha para manipular e postergar.”
Cunha responde no Conselho de Ética pela acusação de ter mentido à CPI da Petrobras ao negar que tivesse contas no exterior. A representação aborda ainda as acusações de que o presidente da Câmara teria recebido recursos desviados da estatal dentro do esquema sob investigação na Operação Lava Jato.
O processo contra Roberto Freire foi instaurado no mesmo dia que o de Cunha. O conselho chegou a remeter o processo à Mesa Diretora, para ser arquivado, mas Cunha impediu, com o argumento de que, como ele já fora aberto, a desistência não seria válida. Freire foi acusado de ter agredido a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) ao agarrar seu braço em plenário. Na semana passada, o deputado Paulo Azi (DEM-BA) foi designado relator, e a tendência é que a acusação seja arquivada em breve.
Os outros dois processos lentos tratavam de assuntos diversos. Rodrigo Bethlem foi acusado, em 2014, de ter recebido propina de entidades que mantinham contrato com a prefeitura do Rio, quando ocupou o cargo de secretário de Assistência Social da capital. Devanir Ribeiro, por sua vez, foi levado ao Conselho devido a uma discussão com o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), em 2013. O petista chamou o colega de canalha e deu-lhe um soco no ombro. Os casos foram arquivados na fase preliminar.
Entre os outros representados, as razões também são variadas: de nepotismo a compra e venda de emendas parlamentares; de xingamentos e agressões a incitamento contra mulheres; de racismo a desvio de recursos.
Vice-presidente da Câmara diz que não é aliado nem adversário de Cunha
- brasília
Responsável por proferir duas decisões que levaram o processo contra Eduardo Cunha de volta à estaca zero, o vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), diz que não é “nem aliado nem adversário” do peemedebista e nega ter beneficiado Cunha.
Como responde às críticas de que trabalha para cumprir ordens de Cunha?
Desinformação ou maledicência. Nenhum ato meu foi praticado por ordem de ninguém. Assumo todas as minhas decisões e estou acostumado a receber críticas. Algumas decisões tomadas hoje, que podem parecer serem ruins, serão no futuro reveladas e provadas como sendo boas e acertadas.
Afastar o relator do processo contra Cunha no Conselho de Ética, deputado Fausto Pinato, foi uma decisão arbitrária?
Nenhuma arbitrariedade foi cometida. É só gastar um pouquinho de tempo para ler o regimento da Câmara para que isso se faça evidente. O regimento diz que o relator não pode pertencer ao mesmo partido ou bloco parlamentar do deputado em investigação: Pinato não poderia ser o relator por fazer parte do bloco. Simples assim!
O senhor atuou para beneficiar o presidente da Câmara?
Nem no Conselho e nem fora dele. Fiz em consonância com o regimento da Casa, para que não houvesse questionamentos capazes de anular todas as decisões do Conselho no futuro. É claro e evidente que meus atos, ao contrário do que tem sido maldosamente divulgado, foram tomados para resguardar a lisura de todo o processo, impedindo vícios e irregularidades que possibilitem a sua contestação legal e uma frustração social muito maior no futuro.
Na Lava Jato, o senhor é apontado pelo doleiro Alberto Youssef como um dos beneficiários de propina. Como responde a essa acusação?
Nenhuma das acusações caluniosas que eventualmente estejam associadas ao meu nome possui qualquer fundo de verdade. E para ratificar o que eu digo, apresento o fato de que nada do que foi afirmado se firmou ou restou provado.
Casos anteriores
Eduardo Cunha (PMDB-RJ): Duração: 78 dias
Acusação: Ter mentido à CPI da Petrobras ao negar ter conta no exterior, e ter recebido propina do esquema investigado na Operação Lava Jato.
Resultado: Ainda em tramitação
Roberto Freire (PPS-SP): Duração: 78 dias
Acusação: Ter agredido a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), agarrando seu braço e machucando seu pulso.
Resultado: Ainda em tramitação (o PCdoB desistiu da acusação, mas Cunha mantém o processo)
Rodrigo Bethlem (PMDB-RJ): Duração: 77 dias
Acusação: Ter recebido propina de ONGs que tinham contrato com a prefeitura do Rio, quando era secretário municipal de Assistência Social.
Resultado: Arquivado
Devanir Ribeiro (PT-SP): Duração: 77 dias
Acusação:Ter xingado e dado um soco no deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS)
Resultado: Arquivado