Na primeira vez que as luzes se apagaram no palácio presidencial, Dilma Rousseff sorriu. Na segunda, se aborreceu. Na terceira, levantou-se da cadeira e exigiu que alguém explicasse o que estava acontecendo.
“Essa era a minha área”, se irritou durante a entrevista, destacando que havia tornado a rede elétrica brasileira uma de suas maiores prioridades antes de ser afastada da presidência em maio deste ano. “Não sei por que isso está acontecendo”.
Quando Dilma perdeu sua autoridade, um senso de impotência tomou conta do Palácio da Alvorada, a cavernosa residência oficial, onde ela pode ficar até que a batalha para derrubá-la seja finalmente decidida no Senado.
Galeria: veja fotos de Dilma no Palácio da Alvorada
As coisas não deveriam estar desse jeito. O Brasil esperava comemorar seus triunfos nos meses que antecedem os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, e não ser palco de uma baderna política aviltante.
Dilma, a primeira presidente mulher do Brasil, deveria estar se preparando para receber os líderes mundiais, não ser submetida à humilhação de um processo de impeachment que deixou seu governo por um fio.
“Esses parasitas”. É assim que ela se refere aos rivais que estão tentando impedi-la, muitos dos quais envolvidos nos próprios escândalos.
Cercada de luxo
Por ora, Dilma continua cercada pelos luxos do palácio projetado por Oscar Niemeyer: o batalhão de funcionários que servem xícaras de café, a piscina aquecida no jardim bem cuidado, as obras-primas modernistas de Emiliano Di Cavalcanti e Alfredo Volpi penduradas nas paredes.
Contudo, o palácio futurista parece cada vez menos com uma residência luxuosa e mais com um bunker. Ainda tentando entender o que aconteceu e se preparando para o julgamento do impeachment, Rousseff comparou os rivais às figueiras-estranguladoras que recobrem outras árvores na floresta, sufocando-as até a morte.
Ainda assim, ela conseguiu encontrar alguma fonte de esperança.
Desde que foi afastada pela câmara, o governo interino liderado por Michel Temer, o vice-presidente que assumiu a nação em maio após romper com Dilma, passou por uma série de situações vergonhosas.
Primeiramente, um dos principais aliados de Temer teve de deixar o Ministério do Planejamento depois que uma gravação secreta foi divulgada no fim de maio. No áudio, um assessor falava sobre como seu partido – o PMDB – havia convencido os demais a derrubar a presidente como forma de interromper as investigações sobre um sistema de propinas colossal em torno da Petrobras.
Em seguida, o novo ministro da Transparência – basicamente o czar anticorrupção do presidente interino – renunciou ao cargo depois que outra gravação parecia mostrar que ele também tentou abafar as investigações.
Recentemente, a imprensa brasileira noticiou que o procurador-geral pretendia prender diversas figuras importantes do partido de Temer – incluindo o presidente do Senado, o ex-presidente José Sarney e o antigo porta-voz da câmara – depois da divulgação de gravações sugerindo que eles teriam tentado interferir nas investigações da Petrobras.
“Estou perplexo, indignado e revoltado”, afirmou Sarney em uma declaração.
Além disso, Temer, de 75 anos, advogado que fala em um português vetusto que intriga o país, decidiu que não nomearia nenhuma mulher ou negro para fazer parte de seu gabinete. Suas escolhas foram alvo de duras críticas em um país onde mais da metade de população se define como negro ou pardo, e onde as mulheres têm destaque no Congresso, no Supremo Tribunal de Justiça e na diretoria de grandes empresas.
“Este é o governo interino dos homens brancos e ricos. Eu jamais acreditei que o Brasil poderia ver um governo tão conservador quanto esse”, afirmou Dilma, que se define como esquerdista e fez parte de um grupo de guerrilha urbana na juventude, a respeito do governo de seu adversário.
Esperança
Dilma e seus aliados esperam que os golpes recentes contra a legitimidade de Temer possam reverter alguns votos a seu favor no julgamento do impeachment. Ela destacou que basta que alguns senadores mudem seu voto para que ela volte à presidência.
Ainda assim, para cada erro de seus adversários, a presidente e seus principais aliados também foram pegos de surpresa por novas revelações durante as investigações, refletindo os desafios enfrentados pelo Partido dos Trabalhadores em sua ambição de reverter o impeachment e devolver Dilma à presidência.
A presidente afastada é uma figura rara na política brasileira, já que continua a ser uma das poucas que não foram acusadas de roubar em favor próprio. Na verdade, ela enfrenta acusações de manipular o orçamento para esconder o tamanho dos problemas econômicos enfrentados pelo Brasil.
Contudo, um antigo executivo da Petrobras afirmou em testemunho que Dilma mentiu sobre não saber a respeito das propinas pagas para a construção de uma refinaria quando ela ainda era diretora da estatal. Ela nega as afirmações.
Para piorar a situação, a revista “Isto É” publicou recentemente uma reportagem segundo a qual um magnata da construção civil teria testemunhado dizendo que Dilma negociou uma doação ilegal de US$3,5 milhões para sua campanha de reeleição em 2014.
Ela negou a história, afirmando que se trata de parte da campanha de difamação feita pela mídia para atacar sua “honra pessoal”. Mas entre muitas outras reviravoltas – o estrategista de sua campanha e o antigo tesoureiro do Partido dos Trabalhadores estão entre os aliados que foram presos sob acusação de receber propina recentemente –, as reportagens prejudicaram ainda mais sua credibilidade.
“Eles sempre quiseram que eu renunciasse, mas não vou fazer isso”, afirmou Dilma, argumentando que seus rivais estão dando um golpe de Estado, ainda que com o selo de aprovação do STJ. “Eu realmente incomodo os parasitas e vou continuar a incomodá-los”.
Os líderes do Senado afirmaram recentemente que o julgamento na casa chegaria ao fim no início de agosto, gerando o risco da realização de manifestações justamente quando os Jogos Olímpicos estivessem prestes a começar, independentemente da decisão.
Enquanto isso, Dilma demonstra irritação, ou no mínimo resignação em relação ao golpe desferido contra a jovem democracia estabelecida em 1985 no Brasil, depois de uma longa ditadura militar.
“Esse é um ponto de virada”, afirmou a respeito da ruptura que permitiu a ascensão de Temer. “O pacto que existia foi rompido.”
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