O governo federal e o Ministério Público parecem estar finalmente se entendendo sobre os acordos de leniência que poderão decidir o futuro das empresas investigadas na Lava Jato. Os acordos são um mecanismo pelo qual as empresas reduzem sua punição ao colaborar com as investigações. Para as empreiteiras, boa parte do interesse está na possibilidade de poder continuar participando de licitações públicas.
No início do ano a Controladoria-Geral da União (CGU), ligada ao Palácio do Planalto, iniciou uma polêmica ao começar a fazer acordos com as empresas. O Ministério Público Federal (MPF) alegou que a Controladoria não tinha independência e autonomia necessárias para conduzir investigações referentes a Lava Jato e que acordos brandos poderiam prejudicar a operação. A CGU dizia que estava atuando dentro da lei.
O caso foi parar no Tribunal de Contas da União (TCU), que decidiu a favor da CGU. Cerca de seis meses depois da decisão, porém, o discurso mudou e os órgãos parecem estar finalmente chegando a um consenso.
Apesar de ressaltar a previsão legal para firmar acordos de forma independente, a CGU já adotou um discurso conciliador a respeito do assunto. “A gente tem alguns acordos em estágio avançado e em todos eles temos estabelecido um contato direto com o Ministério Público”, diz o corregedor-adjunto da área de infraestrutura da CGU Marcelo Vianna. “Apesar de não ser um requisito da lei, a gente tem adotado isso como uma boa prática”, completa.
Apesar das ressalvas, o procurador Paulo Galvão, do MPF, garante que há diálogo entre os órgãos para o fechamento dos acordos. “Temos conversado com a CGU e a nossa visão hoje é que eles compreenderam a necessidade de que esses acordos não podem ser feitos de forma isolada”, disse Galvão.
De acordo com o procurador, os acordos isolados da CGU poderiam trazer pelo menos dois prejuízos. O primeiro deles é a possibilidade de a Controladoria estar sendo ludibriada, já que as empresas poderiam apresentar fatos que já são de conhecimento da força-tarefa, mas que ainda não vieram a público, apenas fingindo desse modo uma colaboração.
Outro prejuízo, de acordo com Galvão, seria o fato de que as empresas optariam por um acordo menor para não perderem a possibilidade de contratar com a administração pública, mas não trariam fatos relevantes para as investigações.
Acordos em andamento
Dois acordos de leniência já foram firmados na Lava Jato. O primeiro entre as empresas do grupo Setal Sog com o MPF e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). As empresas do grupo deram detalhes sobre o funcionamento do cartel envolvendo obras da Petrobras. A Camargo Correa também firmou acordo de leniência com Cade e MPF e detalhou o cartel envolvendo as obras de Angra 3.
Em sua passagem por Curitiba no mês passado, o ministro da CGU Valdir Simão afirmou que seis empresas negociam um acordo com o órgão. Segundo ele, um dos acordos está em estágio “bastante avançado”.
Galvão diz não acreditar que o número de acordos de leniência na Lava Jato aumente de forma significativa. “A gente não espera muitos acordos com empresas porque a grande verdade é que as nossas empresas são muito envolvidas em fatos criminosos em todas as esferas de atuação”, diz.
Entenda o que é e como funciona um acordo de leniência
- Kelli Kadanus
O acordo de leniência é um instrumento parecido com o acordo de colaboração premiada, que prevê penas mais brandas para empresas que colaboram com as investigações de atos ilícitos. “É um tipo de acordo, um pacto que é feito entre pessoa física ou jurídica que concorda em ajudar uma investigação, seja para prevenir um dano ao interesse público, seja para reparar esse dano”, explica o professor de direito penal da Unibrasil Paulo Coen.
Para celebrar o acordo, a empresa precisa preencher alguns requisitos. “Em linhas gerais, para celebrar o acordo de leniência você tem de ser o primeiro, confessar, colaborar, identificar os outros envolvidos e apresentar documentos e informações”, explica a chefe de gabinete da Superintendência-Geral do Cade Amanda Ataíde.
Os benefícios podem variar em cada caso e não há balizas previstas em lei. No Cade, por exemplo, apenas uma empresa pode fechar o acordo em cada investigação. Se o órgão não tiver conhecimento prévio das irregularidades, a empresa que fechar o acordo pode ser beneficiada com a extinção da punição. Se o Cade já tiver conhecimento das irregularidades, a pena pode ser diminuída de um a dois terços para a empresa que concordar em colaborar.
Ajuda para a investigação
O procurador do Ministério Público Federal Paulo Galvão ressalta a importância dos acordos de leniência para as investigações. “Esses acordos são muito importantes porque foram eles que permitiram toda essa situação das investigações, gerou um efeito dominó que expandiu as investigações”, afirma.
“A gente entende que o Estado pode ter acesso a provas e informações que, se não fosse a contribuição das empresas, a gente não teria como identificar esses elementos sem uma investigação muito profunda”, defende o corregedor-adjunto da área de infraestrutura da CGU Marcelo Vianna.
Diferenças
Apesar de os três órgãos poderem firmar acordos de leniência, cada um é responsável por um viés de investigação diferente. O Ministério Público Federal, por exemplo, é responsável por investigações que envolvem responsabilizações criminais e de improbidade administrativa. O Cade, por sua vez, é responsável por investigações referentes à ordem econômica, como formação de cartel e atos que firam a livre concorrência. No caso da Lava Jato, isso é particularmente relevante porque uma das investigações é justamente sobre a existência de um cartel de empreiteiras. Já a CGU realiza investigações referentes a empresas que mantêm algum tipo de vínculo com a Administração Pública.
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