“Cidadãos também podem traçar metas para suas cidades”

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Aplicar na gestão pública conceitos e estratégias próprias da iniciativa privada e tratar o cidadão como uma empresa trata o seu cliente. Essa ideia, que faz parte do conceito de "inteligência pública", é defendida pelo consultor de planejamento na gestão pública e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Denis Alcides Rezende. Ele sustenta a necessidade de elaboração de planejamento estratégico, nos moldes do que fazem as corporações, para a gestão municipal. Rezende foi um dos palestrantes do Congresso realizado nesta semana em Curitiba que debateu as tendências modernas da gestão pública.

O professor defende que cidadãos e gestores públicos tenham acesso às mesmas informações do setor público para que possam tomar as decisões em pé de igualdade. Ele também cobra uma participação popular maior na elaboração dos projetos públicos. "Somos muito mais ‘reclamões’ do que participativos."

O que significa o conceito de inteligência pública?

É tratar o cidadão como o objeto central das organizações públicas. O foco é o oferecimento de informações e serviços aos cidadãos –as mesmas que também são oferecidas ao gestor público. Uma organização que aplica a inteligência pública, portanto é aquela que dá ao cidadão serviços e informações que ele normalmente não teria.

Como assim?

A inteligência pública é o somatório da aplicação de outros conceitos como inovação, criatividade, produtividade, etc.

Ela acontece quando o governo fornece para o cidadão e para os gestores informações estratégicas que vão além do comum. Um exemplo: eu quero matricular meu filho numa escola pública e tenho a informação de que foram comprados pela escola 10 quilos de carne moída. Então, nesta semana é preciso que seja servido esse alimento na merenda. E o pai precisa saber quando isso aconteceu, de que forma foi servido. Não preciso pedir pelo amor de Deus para que me contem o que meu filho está comendo. Do meu computador eu posso monitorar essas informações.

Como isso melhora o serviço na prática?

Imagine seu filho em uma escola pública que além de ter uma boa biblioteca, uma boa quadra de esportes, tem professores capacitados que "vendem" a ideia de ensinar o tempo inteiro. Como se fosse no setor privado, em que todos os funcionários cuidam da reputação do produto. Diferente daquele funcionário público que bate o seu ponto e espera apenas para receber no final do mês.

É a maneira de usar a gestão privada na pública?

Se na iniciativa privada o cliente é o nosso rei, na gestão pública o rei deve ser o cidadão. Muitas organizações privadas fazem atividades sociais que a rigor seriam das organizações públicas, pois isso dá resultado, a posiciona no mercado e pode influenciar nas vendas. Aqui no Brasil sim, isso ainda é meio utópico. Mas, ao mesmo tempo, é um desafio. É claro que não se vai transformar uma organização pública em quatro anos se a cada quatro anos, muda o presidente e muda tudo.

Vai precisar chegar o momento em que muda o presidente mas não muda a filosofia ...

Exatamente. Isso em administração é chamado de planejamento estratégico. Enquanto a gente continuar falando em plano de governo de quatro anos, vai ser mais difícil de desenvolver uma inteligência pública. Nas grandes corporações, a troca do presidente, por exemplo, não altera muito a qualidade do trabalho. No setor público, a mudança constante impede o planejamento.

Como está Curitiba neste cenário?

Curitiba e algumas outras capitais ainda têm uma situação melhor que a maioria das cidades. Porém, não tem um planejamento estratégico. A cidade, cuja gestão é feita por uma série de autarquias, tem até iniciativas isoladas de inteligência, mas não tem o conceito de inteligência pública aplicada.

Isso deixa os cidadãos alheios às tomadas de decisão?

Nós, cidadãos, não fomos educados para participar dos processos públicos. Somos muito mais "reclamões" do que participativos. Não temos nem cultura cívica para participar. E quem está no governo, muitas vezes, também não faz questão. Então ficamos nesta dicotomia: o governante diz que o cidadão não ajuda e o cidadão diz que o governo é corrupto. Isso é que tem que mudar, para um projeto coletivo.

Isso não decorre da falta de um objetivo claro para o futuro da cidade?

Sim. Nós fizemos o planejamento estratégico de dez anos, em um trabalho da PUC, para São José dos Pinhais, com participação dos cidadãos que diziam o que preferiam para a sua comunidade. Na medida em que mudou o prefeito, ele jogou fora o planejamento da cidade – como se fosse apenas o do antigo prefeito. Da mesma maneira que uma empresa privada determina metas e objetivos, os cidadãos também podem traçar metas para suas cidades. Isso é viável e possível. Mas nós ainda não temos, como cidadãos, força para manter o plano quando o prefeito da vez não quer.

Em um momento pré-eleitoral, o que o gestor de uma cidade não pode deixar te ter em mente?

Se eu fosse candidato, eu faria um planejamento para os próximos dez anos. Na pior hipótese, dois mandatos eu fico. Até em proveito próprio. Não podemos ser ingênuo e pensar que não há interesse, Mas precisamos pensar coletivamente. Administradores mais "espertos" planejam suas organizações no longo prazo até em proveito próprio. Mas os prefeitos querem é estar em algum lugar, em evidência e não interessa o que está sendo feito e entregue. O "pulo do gato" é um plano de governo estratégico para o futuro da cidade. Mas são poucos políticos que são hábeis o suficiente para pensar estrategicamente.