Não há dúvidas de que a democracia brasileira avançou muito. Bom, não faz tanto tempo assim, eu era criança, e nem democracia tínhamos. Mas claro que estamos longe de uma democracia perfeita. Até porque democracia perfeita, é importante dizer, é um negócio que não existe. A gente é que tem que ir aperfeiçoando aos poucos, no embate, na base do trabalho de formiguinha.
Para o filósofo americano Michael Sandel, um dos problemas de toda democracia grande, como é o caso da brasileira, é o mal-estar causado pela impressão de que nós, cidadãos comuns, não temos controle sobre quem está nos governando. Ok: você vai lá, deposita um voto e... Bom, depois disso, a próxima participação da maioria das pessoas é depositar um outro voto dois anos mais tarde. Ou quatro anos, se estivermos falando do mesmo cargo.
Mas não é nem esse o maior problema. O ponto é que, a cada eleição, oferecem um “prato feito” para o eleitor. Apresentar candidaturas, pela lei brasileira, é prerrogativa dos partidos políticos. E os partidos, como se sabe, são dominados por uns poucos caciques que, na base do dedaço, indicam quem é de seu interesse que componha a chapa. Quem não compactua com o projeto de poder do chefe está fora.
E um outro critério para a escolha dos candidatos é importante: eles precisam se mostrar viáveis. O que, em bom português, quer dizer que eles precisam ter como financiar uma campanha cada vez mais cara. Falando claramente, e deixando de lado os números “oficiais” apresentados à Justiça Eleitoral: é quase impossível alguém se eleger deputado no Paraná sem uma campanha milionária.
Esse é o ponto. O prato feito. O menu com opções pré-selecionadas por alguém que tem interesses (possivelmente) bastante diferentes daqueles da população. Claro que a eleição é democrática, e a falha do sistema em si não torna os representantes ilegítimos. Mas diminui, em muito, a chance de a população se sentir, de fato, representada pelos eleitos.
Na semana passada, o departamento de Filosofia da UFPR fez uma interessante discussão sobre o tema. Aproveitou os 50 anos de universidade do professor Emmanuel Appel, que sempre defendeu uma filosofia “militante”, participando dos eventos políticos do dia, para falar sobre os problemas da democracia que ficaram expostos pelos fatos do Paraná nos últimos meses: invasão da Assembleia, deputados de camburão, bombas sobre professores.
Três dos debatedores, os professores Isabel Limongi, Vinícius Figueiredo e André Duarte, acabaram falando dessa crise da representação. E sobre como, de certo modo, isso explica (mais do que isso, pode legitimar como verdadeiramente democráticas) ações radicais como a tomada do plenário da Assembleia. “A democracia não se identifica com uma forma jurídico-política”, disse Isabel Limongi, citando Jacques Rancière. Ou seja: é difícil estabelecer um limite meramente “legal” sobre as possibilidades da democracia que, em última instância, tem como fonte de poder a sociedade.
O ponto em debate é a forma como cada um pode atuar, numa democracia, para defender interesses legítimos. Lembrando: numa sociedade em que a representação tem sérios problemas e os representados podem muito bem estar se voltando para interesses outros que não os da população.
“Banqueiros não acampam diante do Palácio do Governo; associações patronais financiam campanhas eleitorais; sindicatos e movimentos sociais buscam visibilidade por meio de greves ou manifestações públicas coletivas. Não há como, e nem me parece que seria desejável, reduzir a uma única forma a manifestação política dos interesses de uma sociedade complexa como a nossa”, disse Vinícius.
É claro que não são verdades absolutas. E é exatamente esse o ponto: o debate tem que estar aberto. Sobre financiamento de campanha, sobre partidos e, muito especialmente, sobre como aperfeiçoar nossa democracia, ainda tão jovem, ainda tão frágil, tão imperfeita.
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