Sempre que você ouvir falar que a polícia matou mais um bandido, lembre-se da história de Daniel Bispo de Oliveira. Fã da polícia, e especialmente da Rota (o equivalente paulista da Rone), Daniel era ouvinte assíduo do programa de rádio de Afanásio Jazadji – o típico apresentador policialesco que enumera as mortes em confronto com a polícia como se fossem vitórias da sociedade.
Daniel concordava com Jazadji e com a política agressiva da Rota. E morreu justamente pelas mãos dessa polícia. Estava num bar e a Rota soube que ali havia um suspeito de cometer crimes. Entrou no local atirando: além do suspeito, morreu também Daniel. No outro dia, Afanásio vituperava no seu programa: “Mataram o bandidão de Jaraguá!”
Caco Barcellos, que narra a história em seu magistral Rota 66 – A história da polícia que mata, conta que a viúva, ao ouvir isso, enviou uma carta para o herói do marido, mostrando que ele nunca tinha cometido um crime e que foi morto à toa. Isso nunca foi registrado no programa. Mesmo que fosse, claro, não faria as coisas voltarem a ser o que eram.
Nesta terça-feira, depois de o repórter Diego Ribeiro mostrar que a já violenta polícia paranaense vem aumentando ainda mais o número de mortes em confronto, o deputado federal Fernando Francischini (SD) reagiu. Titular da Secretaria de Segurança de dezembro de 2014 até o mês passado, ele comandou as polícias num período de violência extrema: 18 mortes por mês, 90 desde o começo do ano.
Indignado com a crítica à violência das forças de segurança, Francischini foi às redes sociais defender a polícia – e sua gestão. Os argumentos diziam que as mortes tinham ajudado a reduzir o número de homicídios no estado. E que os mortos eram bandidos – e era melhor que morressem bandidos do que “pessoas de bem”.
“O aumento do enfrentamento da Polícia com bandidos, supostamente incentivado por mim, fez com que os índices e quantidade de homicídios (de pessoas de bem) em Curitiba nos primeiros 4 meses deste ano fossem os menores dos últimos 6 anos!”, escreveu. Em outro post, disse o seguinte: “Antes quem morria e acabava como título destas matérias eram pessoas de bem! Enquanto fui secretário eram bandidos! É só escolher o lado que se defende!”
A ideia de que a PM preveniu homicídios com as mortes em confronto não faz sentido. Os confrontos normalmente ocorrem em assaltos (se alguém morresse, seria latrocínio) ou fugas (quase sempre sem refém). Homicídios ocorrem normalmente na periferia, longe dos olhos da polícia. O ex-secretário poderia contar algumas histórias em que uma tentativa homicídio tenha sido impedida por um confronto com a PM.
A ideia de que os mortos eram bandidos é mais perigosa. Quantos Bispos de Oliveira podem ter sido mortos pela polícia, simples vítimas de tiros dados contra supostos criminosos? Recentemente, policiais foram pegos em Curitiba matando pessoas “em confronto” depois de terem sido levadas em camburão até um matagal isolado.
Dois números para pensar. A violenta ditadura militar brasileira, que nunca deve se repetir, matou em 21 anos 434 pessoas. Em 2014 inteiro, a polícia britânica matou uma pessoa em confronto. E o país tem seis vezes a população do Paraná.
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