O caso do banheiro translúcido em um prédio público de Ponta Grossa seria apenas um detalhe curioso, se não fosse sintomático. Tudo faz crer que a obra foi entregue às pressas, só para que o antigo prefeito, Pedro Wosgrau, pudesse cortar mais uma fitinha. Um vídeo da véspera da inauguração, disponível na rede, mostra o prédio ainda cercado por tapumes. O banheiro fatídico, que põe o ocupante às vistas de todos, ainda estava tampado pelo improviso da obra.
Outro vídeo no YouTube mostra a cerimônia de inauguração, com direito literalmente a trombetas tocando hinos logo após o anúncio dos nomes das autoridades presentes. Só depois é que foram ver os detalhes, como o caso das portas dos andares superiores, que abrem para o nada. A construtora responsável diz que não fez errado: que o projeto previa mesmo isso, portas que abrem sem que o sujeito encontre uma escada do lado de fora.
A obra custou R$ 3,5 milhões, e claro que o prefeito não queria deixar para que seu sucessor inaugurasse. É só ver o tanto de obras que os pares dele inauguraram nos últimos dias de gestão para ver que algo não encaixa: como pode, depois de quatro ou oito anos, tudo ficar pronto justo na horinha de entregar o governo para alguém? Muita coincidência? Ou seriam inaugurações às pressas, mesmo que tudo não estivesse pronto?
O editor deste caderno, Fernando Martins, costumava dizer que uma certa cidade paranaense era a Macondo brasileira. Assim como na cidade fictícia criada por García Márquez, tudo o que havia de estranho, inacreditável e que, ao mesmo tempo, revelava um pouco do que nós somos, acontecia por lá. De vez em quando o correspondente local ligava avisando de uma nova atração: a calçada mística, o túmulo que sangra ou algo do gênero.
Nos últimos dias, os políticos fizeram Ponta Grossa roubar o título, se transformando na nova Macondo paranaense. Na verdade, toda cidade passa por isso. Ponta Grossa mesmo já havia tido seus momentos inesquecíveis, como o do prefeito Péricles que inaugurou uma estátua que deveria ser uma homenagem às araucárias, mas lembrando a textura do arenito de Vila Velha. O resultado, colocado em monumento perto da UEPG, ficou conhecido pela população como "cocozão". Anos mais tarde, a escultura foi posta abaixo.
Neste início de ano, além do banheiro 100% transparente, Ponta Grossa foi ao noticiário nacional por uma vereadora que é acusada de forjar o próprio sequestro. Por uma dessas coincidências da vida, é prima do ex-prefeito Péricles. Agora, vem o caso do prédio. Sem contar casos que chamaram menos a atenção, como o do prefeito Wosgrau, que renovou o contrato da empresa de transporte público local por mais dez anos a exatos 11 dias do encerramento de seu mandato.
É claro que é divertido ver o banheiro de vidro. Mas é engraçado no mesmo sentido que é engraçado ver uma novela no estilo O Bem Amado. O prefeito que constrói um cemitério e não consegue inaugurar faz rir assim como o prefeito que faz uma obra de R$ 3,5 milhões e se esquece de pôr algo que permita o mínimo de privacidade a quem usa o banheiro. Mas os habitantes de Sucupira eram imaginários. Os de Ponta Grossa, que estão pagando por todos esses monumentos dignos de um Dias Gomes, não mereciam isso.
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