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Há erros que demoram mais de um século para serem corrigidos. O nascimento do Brasil como nação, em 1822, é desse tipo. Só agora, quase 200 anos depois, vamos nos livrando dos traços autoritários da "contrarrevolução" que Dom Pedro e seu pai, Dom João VI, armaram por aqui.

A Independência do Brasil foi uma resposta torta aos ideais da Revolução Francesa que iam se espalhando pela Europa. Depois que os burgueses e o povão cortaram a cabeça do rei francês, ficou muito claro que não havia mais espaço para reis escolhidos por direito divino. Todos nasciam iguais: o filho do dono do poder não tinha mais direitos do que o filho de qualquer outro.

O rei, se existisse, também não poderia mais governar sozinho: era preciso dividir o poder com a sociedade, com o Parlamento. O rei não podia mais se meter na Justiça: o Judiciário deveria ser independente, e os poderes se fiscalizariam. Foi assim na França. E os outros países começaram a copiar.

O pai de Dom Pedro veio para cá fugido de Napoleão, o herdeiro da Revolução Francesa. E aqui montou um governo bem do jeitinho que os reis autoritários gostavam. Tudo foi por água abaixo quando estourou uma revolução liberal no Porto: os súditos europeus do rei haviam sido contaminados pelo vírus da igualdade.

Por aqui, não fizemos o mesmo. Enquanto o rei foi para lá tentar manter a cabeça, literalmente, no lugar, o filho ficou reinando no Brasil. Dom João acabou ca­pitu­lando. Aceitaria governar sob novas regras: o absolutismo não vigoraria mais no peu do Im­pério.

Vencida a batalha por lá, os burgueses de Portugal passaram a pressionar para que o filho governasse o Brasil do mesmo modo. Afinal, éramos uma colônia deles, e o absolutismo deveria ter fim aqui também. Dom Pedro não topou. Governaria de seu jeito. Nem que para isso tivesse de criar um país em que ele fosse a lei.

Assim nasceu o Brasil. Nossa primeira Constituição chegou a dar ao imperador poder sobre o Judiciário e o Legislativo. Chefe do Poder Moderador, ele podia apitar em tudo, exatamente como os reis da França faziam antes de o último ser decapitado.

Durante muito tempo fomos governados assim. E os brasileiros parece que se acostumaram com a ideia de que nessas terras nem todos são iguais; que, aqui, o dono do poder não é uma pessoa qualquer (lembram do que Lula disse de Sarney?) Nos acostumamos com um governo pré-Revolução Francesa...

Na República Velha, a oligarquia cafeeira governava sozinha e não estava nem aí para o que o povo queria. Se alguém provocava o Catete (Canudos, Contestado), a resposta vinha na bala. Getúlio prometeu ser libertador (e em parte foi), mas quando teve a chance deu um golpe e se tornou o ditador de plantão.

Os militares (e os civis que os apoiaram) botaram o autoritarismo de novo no poder em 1964. E só saíram de lá porque o povo, finalmente, parece ter aprendido que tem o direito de exigir que lhe respeitem.

De lá para cá, as coisas melhoraram. Os brasileiros fizeram as Diretas; derrubaram um presidente do poder; conseguiram uma legislação cada vez melhor; e o país se tornou uma democracia. Ainda temos os vícios do absolutismo. Mas estamos cada vez mais perto de nos livrarmos deles.

Quando conseguirmos, aí seremos verdadeiramente independentes. Por enquanto, ainda somos dependentes demais do nosso passado.

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